O nome do que acontecia no gabinete do senador Flávio Bolsonaro é desvio de dinheiro público. Rachadinha é apelido
Ontem não foi um “grande dia” para Jair Bolsonaro, no sentido que ele costuma dar à expressão, mas foi um dia longo e cheio de eventos. O presidente amanheceu sabendo que seu velho amigo, e colecionador de segredos, Fabrício Queiroz, tinha sido preso na casa do advogado de Flávio Bolsonaro, e que também defende o presidente em outros casos, Frederick Wassef. O STF, com votação consagradora, considerou constitucional o inquérito das fake news que tem se aproximado de apoiadores e pessoas do círculo presidencial. Na confirmação da constitucionalidade do inquérito foram lançadas duríssimas mensagens ao presidente. Bolsonaro apareceu de tarde, tenso e estático, ao lado de Abraham Weintraub, um dos investigados. O presidente tirou-o do cargo de ministro a contragosto. Apesar do seu péssimo desempenho na Educação, o presidente o manteria se pudesse.
Wassef entra e sai do Palácio Alvorada, em fins de semana e fora de horário de trabalho. Entra e sai do Palácio do Planalto. Na quarta-feira mesmo esteve lá na posse do novo ministro da Comunicação. É pessoa próxima da família. E justamente Wassef hospedava Fabrício Queiroz, num sítio. Onde? Em Atibaia. Surreal.
Os Bolsonaros temem que Queiroz fale porque ele sabe muito. Ele é homem treinado a esconder informação. Contudo, está doente, e sempre temeu que suas filhas fossem atingidas. Tanto que foi a única pergunta que fez. A mulher Márcia Aguiar está sendo procurada.
O nome “rachadinha” reduz o peso do crime. O deputado Flávio Bolsonaro tinha mais de uma dezena de funcionários fantasmas no seu gabinete. Todos eles entregavam parte do salário a Queiroz. Entre os fantasmas, parentes da ex-mulher de Bolsonaro que moravam em Resende. A mulher do próprio Queiroz, Márcia. A filha dele estava lotada no gabinete do então deputado Jair Bolsonaro, mesmo sendo personal trainer no Rio. A ex-mulher e a mãe do miliciano Adriano da Nóbrega também recebiam sem trabalhar no gabinete de Flávio.
Queiroz comunicou à ex-mulher de Adriano, Danielle Mendonça, que ela seria exonerada porque Flávio “ficaria muito exposto na campanha”. O miliciano Adriano reclamou com a ex, porque parte do dinheiro ia para ele. Tudo isso já foi investigado. Essa fantasmagórica equipe fez 483 depósitos na conta do ex-assessor, preso ontem, no valor total de R$ 2 milhões em um ano. O nome disso é desvio de dinheiro público. Rachadinha é apelido.
De noite, na live, o presidente disse que a prisão foi “espetaculosa” e que Queiroz poderia ter sido convocado que compareceria. E que estava no sítio porque era perto do hospital, em São Paulo, onde ele se trata de câncer. Recentemente, Flávio também defendeu o assessor que demitiu no auge da campanha de 2018, dizendo que Queiroz era correto e trabalhador, e que “dava o sangue” pelo que acreditava. Continuam ligados, pelo visto.
No Supremo, o inquérito das fake news prosseguirá agora muito mais forte depois do julgamento sobre a sua legalidade. Dez dos 11 ministros consideraram que sim, ele é constitucional, e deram razões de sobra para a investigação sobre os ataques ao Supremo Tribunal Federal. Houve nas mensagens mais do que ódio. Houve ameaças de morte contra ministros, de estupro de suas filhas. Na deep web foi encontrado um plano de explosão do Supremo com croqui do prédio. Dias Toffoli lembrou a história do ministro Hans Kelsen, da Suprema Corte da Áustria, que, atacado por conservadores extremistas, no clima da ascensão do nazismo na região, acabou pedindo para sair do tribunal. “Ninguém defendeu a Corte Constitucional. Ninguém defendeu a democracia. E eis que a pálida e escura noite do totalitarismo destruiu a civilização e seus valores”, disse Toffoli. O ministro Celso de Mello definiu como “insólita ameaça” e “gravíssima transgressão” à Constituição o descumprimento de ordem judicial, “por parte de qualquer autoridade, inclusive o presidente”. Todos disseram que o STF é o guardião da Constituição, a “última palavra constitucional”. Recado para Bolsonaro. “Essa corte tem a exata noção histórica do momento”, disse Celso.
Num dia de más notícias para o governo, tentou-se desviar a atenção com a demissão de Weintraub. Por seu péssimo trabalho, Weintraub recebeu uma promoção. Vai ser diretor do Banco Mundial na vaga que o Brasil ocupa. De noite, Bolsonaro teve tempo de mais uma fake news. Disse que 40% das mortes registradas como Covid-19 não foram de Covid.