Míriam Leitão: A tese da República

O centro da decisão de ontem do TRF-4 foi que o crime de corrupção é mais grave quando cometido pela pessoa que ocupa ou ocupou a Presidência. O que o ex-presidente Lula colocou em risco foi mais que o “patrimônio da Petrobras”, mas “o Estado Democrático de Direito”. Essa foi a tese do desembargador João Pedro Gebran Neto, reafirmada pelos desembargadores Leandro Paulsen e Victor Laus.
Foto: Sylvio Sirangelo/TRF4
Foto: Sylvio Sirangelo/TRF4

O centro da decisão de ontem do TRF-4 foi que o crime de corrupção é mais grave quando cometido pela pessoa que ocupa ou ocupou a Presidência. O que o ex-presidente Lula colocou em risco foi mais que o “patrimônio da Petrobras”, mas “o Estado Democrático de Direito”. Essa foi a tese do desembargador João Pedro Gebran Neto, reafirmada pelos desembargadores Leandro Paulsen e Victor Laus.

Quem preside a República enfeixa sonhos e esperanças, tem poderes concedidos pelos cidadãos através do voto, a autoridade de conduzir a Nação. É por isso que, se cometer crimes, ele tem “culpabilidade extremamente elevada”. Isso fez subir a pena de Lula. Num país com democracia em construção, em que dois presidentes sofreram impeachment no espaço de 24 anos, esse é um ponto fundamental.

A grande pergunta é o que acontece agora? A ordem do desembargador Leandro Paulsen foi a de que o juiz Sérgio Moro, assim que se esgotarem os recursos, determine o cumprimento da pena, ou seja, a prisão em regime fechado do ex-presidente. Fontes da área judicial, que acompanham o processo, acham que o STJ pode manter esse entendimento, mas o STF pode ser levado a reabrir a questão da prisão em segunda instância. O tema ronda o Supremo. A ministra Cármen Lúcia não colocou o assunto de volta porque a decisão foi tomada muito recentemente. Mas o ministro Gilmar Mendes quer que o assunto volte ao plenário. É mais uma ironia, da sempre surpreendente história brasileira, que Gilmar Mendes se transforme na esperança do PT.

Um ponto central do debate em torno do julgamento do caso do Triplex do Guarujá foi a existência ou não de provas. Os defensores de Lula sempre disseram que não havia provas, já que não haveria documentos da propriedade. Os desembargadores disseram que, ao contrário, existem provas abundantes, diretas, indiretas, materiais e testemunhais de que o apartamento estava destinado a Lula, foi reformado para atender às demandas da família e que estava no nome da OAS por um pedido para se esconder a propriedade. O que aconteceu ontem fortaleceu o trabalho do juiz Sérgio Moro, porque a sua sentença foi confirmada pelos três desembargadores que analisaram o recurso do ex-presidente. Toda a sua linha de raciocínio e suas decisões foram mantidas.

A estratégia da defesa, durante o processo, foi construída em cima de três movimentos. Primeiro, afirmar que não havia provas, segundo, arguir a suspeição do juiz Sérgio Moro e a falta de competência da 13ª Vara. Terceiro, apresentar Lula como uma vítima de perseguição política. Essa politização estimulou manifestações de militantes. A campanha antecipada aumentou as intenções de voto. Tudo parecia estar dando certo. Mas ontem ficou claro que a politização não melhorou a chance no tribunal. Como disse Gebran Neto, houve um momento em que Lula teve o direito de falar por vinte minutos diante do juiz Sérgio Moro e ele escolheu fazer afirmações “sem qualquer utilidade jurídica”.

Gebran começou seu voto derrubando todas as preliminares da defesa, e neste ponto mostrou os erros da estratégia dos advogados do ex-presidente. Cristiano Zanin insistiu em questões já julgadas pelo mesmo tribunal, em recursos que ele mesmo havia movido anteriormente. A queda das preliminares foi confirmada pelos outros juízes. Gebran Neto mostrou exemplos de falta de sentido nas teses da defesa. Um deles: os advogados, certa vez, quiseram recusar documentos da Petrobras alegando que foram fornecidos por meio eletrônico e não em papel. “Todo o processo aqui é eletrônico”.

Na discussão de mérito, além de derrubar as alegações de falta de provas, não foi considerado o argumento de que faltou um ato de ofício. Isso foi exaustivamente discutido no mensalão, o entendimento majoritário do Supremo neste caso é que não é necessária uma decisão específica que beneficie a empresa corruptora, mas o conjunto de decisões de quem tenha poder.

O grande princípio consagrado ontem foi o de que quem ocupa a Presidência da República tem que zelar com mais rigor para que não ocorram desvios de recursos públicos. “Sua excelência em algum momento perdeu o rumo”, disse Laus. Que isso sirva de aviso aos governantes.

(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)

 

 

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