Bolsonaro fará estreia em Davos, com os investidores de olho no ajuste, mas também em temas sensíveis, como as políticas ambiental e indígena
Em uma semana o presidente Jair Bolsonaro fará sua estreia em Davos e a ordem interna foi de mobilização para preparar uma boa apresentação. Os outros dois integrantes do governo que falarão lá são conhecidos do mercado e dos presentes nesse encontro anual, o ministro Paulo Guedes e o ministro Sergio Moro. O foco será melhorar a imagem do governo que, admite-se internamente, não é boa no exterior. Eles, contudo, enfrentarão outros problemas.
O primeiro é que a elite do capitalismo mundial, que se reúne anualmente nas montanhas geladas que inspiraram Thomas Mann, há muito tempo mudaram-se de armas e bagagens para um conceito mais atual de sustentabilidade. Querem ouvir Paulo Guedes contar como tornará as contas públicas sustentáveis. Querem ouvir a história do juiz ícone do combate à corrupção no Brasil, agora em nova função. Mas querem também saber o que o governo pretende fazer para proteger florestas e seus povos originais. Não por querer interferir nos destinos internos do país, mas porque o combate aos gases de efeito estufa, a luta contra as mudanças climáticas, exige que cada um faça a sua parte. E o Brasil mesmo escolheu a sua parte: atingir o desmatamento zero em 2030. Ontem, o ministro do Meio Ambiente disse que o país continuará no Acordo de Paris. Mas o governo tem criticado essas metas.
Neste momento, grileiros estão se sentindo estimulados, pelos sinais exteriores do governo, a invadir terra pública, principalmente terra indígena. Foi o que já começou a acontecer na Terra Indígena (TI) Uru-eu-wau-wau, a 322 quilômetros de Porto Velho, em Rondônia, segundo informou a “Folha”. O risco, segundo o relato do jornal paulista, é enorme, porque os grileiros avisaram aos índios que o acampamento deles vai aumentar. O Instituto Socioambiental confirma o perigo sobre essa área.
Recebo notícia das aldeias Awá Guajá, no Maranhão, onde estive com o fotógrafo Sebastião Salgado, em 2013. As informações são de que os grileiros estão se organizando em São João do Caru para retomar as terras das quais foram expulsos na desintrusão havida em 2014. Ontem, o cacique Antonio Guajajara, da TI dos Caru, me disse que o perigo realmente é grande. As terra Awá Guajá, um paraíso raro no Maranhão devastado, já foi demarcada e homologada. Vinha sendo sitiada por invasores, que foram retirados. Agora os grileiros se reúnem novamente. Neste domingo foi marcada uma reunião em Maguary e convocados, para ela, produtores de São João do Caru, Governador Newton Bello, Zé Doca e Centro Novo. O objetivo é voltar para a terra indígena. Os índios da aldeia Juriti são os mais ameaçados. Para fazer a reportagem, eu passei uma semana nessa aldeia. A maioria dos índios nem fala português porque a etnia foi contatada nos anos 1990. São poucos e vulneráveis e a terra que preservam é preciosa porque é um dos últimos remanescentes da Floresta Amazônica no Maranhão. Fiz lá, com Salgado, a reportagem “O Paraíso Sitiado”, que ganhou o prêmio Esso. Os grileiros são conhecidos e estão se organizando para invadir de novo as terras. Os índios começaram a pedir socorro a outros indígenas da região. Pode haver uma tragédia.
Se o governo Bolsonaro não fizer imediatamente um sinal claro de que isso não será permitido, haverá uma onda de invasões de terras indígenas. A própria Funai alertou que a TI Arara, no Pará, estava sendo invadida. O ministro Carlos Alberto dos Santos Cruz disse, na entrevista que me concedeu, na semana passada, que é um absurdo interpretar que o governo aceitará invasões de grileiros. Mas é assim que estão sendo entendidas as decisões tomadas pelo governo Bolsonaro de enfraquecer a Funai, levá-la da Justiça para o Ministério da Mulher e Direitos Humanos e entregar a demarcação de terras indígenas a um líder ruralista dentro do Ministério da Agricultura.
Os investidores hoje não olham apenas a performance da bolsa, a reforma da Previdência, a trajetória da dívida. Querem saber desses indicadores econômicos, mas muitas empresas e fundos têm limitações nas suas regras de conformidade e de governança a investir em países que desmatam, ignoram os compromissos no combate à mudança climática ou onde grileiros invadem terras indígenas.
Os discursos do presidente e dos seus ministros podem ser muito aplaudidos, mas num segundo momento o que o governo Bolsonaro tem dito e feito nas áreas climática, ambiental e de direitos indígenas pode se voltar contra o objetivo de atrair investidores. Nem só de ajuste fiscal vive a imagem de um país, mesmo diante dos capitalistas.