Há várias pedras no caminho da reforma da Previdência. A prisão do ex-presidente Temer criou um novo foco de tensão. Existem outros. O PSL rejeita a criatura que o seu governo enviou. As brigas com o presidente da Câmara elevam a incerteza sobre o tempo de tramitação, que ainda nem começou. A reforma dos militares, enviada junto com um pacote de bondades para as Forças Armadas, deu mais um argumento contra o projeto.
O ponto que tanto pesou na bolsa de valores nos últimos dois dias pode nem perdurar muito. Se Temer receber um habeas corpus no curto prazo, a tensão diminuirá. O que realmente preocupa na reforma são todos os sinais dados esta semana pela base parlamentar e que se tornaram piores com a divulgação do projeto da previdência dos militares.
A dúvida é por que o governo enviou tudo junto: mudança das pensões e aposentadorias e o aumento dos rendimentos dos militares. O secretário de Previdência, Leonardo Rolim, me disse, numa entrevista que foi ontem ao ar na Globonews, que os dois assuntos estão juntos em cinco leis que estão sendo alteradas:
— Seria muito difícil alterar as mesmas leis em um momento, da parte da inatividade e pensões, e não alterar na parte das carreiras.
Isso é verdade do ponto de vista formal. Mas está sendo feito agora porque foi uma promessa de campanha do presidente Bolsonaro. Quando o assunto é soldo, as Forças Armadas são um pote até aqui de mágoa. Culpam o governo Fernando Henrique, que acabou com a promoção ao entrar na inatividade e estabeleceu que os que entrassem no contingente a partir de 2001 não teriam o direito de deixar pensão para as filhas. O benefício continuou para quem já era militar. Foram duas mudanças normais, mas eles a consideram ultrajantes. O que realmente eles têm razão é o que aconteceu nos governos seguintes:
— As reestruturações feitas nos últimos governos aumentaram substancialmente a remuneração dos civis. Não foram todas as carreiras, é bom deixar isso bem claro. São as de elite, como a minha, de consultor da Câmara, como a do Bruno Bianco, advogado da União, procuradores, auditores fiscais, gestores governamentais. Nelas, todos chegam ao topo, o que não acontece nas Forças Armadas. E chegam muito rápido. Os salários dos civis deviam aumentar mais devagar e respeitar mais a meritocracia.
Isso de fato criou defasagem entre servidores civis e militares. O problema nessa área é entender do que eles estão falando. Na apresentação da reforma da Previdência, feita há um mês, o Ministério da Economia divulgou uma tabela com déficit militar de R$ 20 bilhões. Os jornalistas estranharam o número, que estava subestimado. Eles explicaram que falavam apenas das pensões, porque o pagamento aos inativos não seria déficit da Previdência, dado que militar não se aposenta, mas entra para a reserva remunerada. É triste ver a equipe econômica capturada por esse eufemismo que distorce as contas. O ministro Paulo Guedes falou que o sistema seria superavitário. E não será. Não com essa reforma.
O secretário Rolim contou que no fim de abril será feita uma avaliação atuarial do regime dos civis e dos militares.
— Dentro de alguns anos estará sim equilibrado o sistema de pensões — afirmou.
Ele está se referindo apenas parcialmente ao déficit que hoje é de R$ 43 bilhões. Isso aumenta os ruídos de uma área cheia de números conflitantes.
A reforma dos militares e o aumento de R$ 87 bilhões em 10 anos no custo dos soldos e aposentadorias é um fator a mais num ambiente já conflagrado. Esta semana o líder do PSL no Senado, Major Olímpio, duvidou do déficit apresentado pela própria equipe econômica, e o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir, disse que a reforma dos militares é um “abacaxi”. O presidente da CCJ, Felipe Francischini, também do PSL, disse que só escolherá o relator depois que o ministro Paulo Guedes explicar a proposta das Forças Armadas.
Este governo não precisa de inimigos. Bastam o presidente, seus aliados e os filhos. Carlos Bolsonaro disparou contra Rodrigo Maia, que já estava ofendido pelas frequentes falas enviesadas do próprio presidente sobre os conselhos para que ele melhore a articulação política. Bolsonaro faz crer que isso é pedido da “velha política”.
Com tudo isso, a prisão de Temer não é o problema da Previdência. O que mais ameaça a tramitação da reforma é o governo mesmo que a encaminhou.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)