Míriam Leitão: Risco ambiental atinge a economia

Ingerência de ministro no Fundo Amazônia pode levar à quebra de contrato. Entre os noruegueses, há pessimismo e perplexidade.
Foto: Agência Brasil
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Ingerência de ministro no Fundo Amazônia pode levar à quebra de contrato. Entre os noruegueses, há pessimismo e perplexidade

Investidores de um país europeu procuraram uma autoridade brasileira da área econômica. A primeira pergunta não foi sobre a questão fiscal, mas sim sobre o meio ambiente. Queriam saber que garantias o Brasil daria de respeito às leis ambientais. Disseram que olham com extremo cuidado esse assunto, tanto que nunca investiram na Vale porque não sentiam confiança na governança da empresa nessa área e hoje sabem que acertaram. Contaram que os investidores de seus países querem saber exatamente que tipo de prática suas aplicações estão estimulando.

A reunião que houve na segunda-feira, 27, entre o ministro Ricardo Salles e os embaixadores da Noruega e da Alemanha foi constrangedora. Eles pediram dados concretos que justificassem as suspeitas levantadas pelo ministro sobre a direção do Fundo Amazônia, e ele respondeu com críticas genéricas. Eles não têm ingerência no dinheiro, mas a estrutura de governança foi amarrada no contrato.

O ministro, ao desmontar o conselho, pode ter quebrado esse contrato. Há neste momento, segundo uma fonte que acompanha as conversas, perplexidade e pessimismo entre os noruegueses. Se os financiadores recuarem, os governos estaduais sentirão falta desse dinheiro instantaneamente. Há secretarias de meio ambiente, como as do Pará e do Acre, cuja maioria dos projetos é financiada pelo Fundo Amazônia.

Por diversas formas esse comportamento desastrado na área ambiental pode afetar a economia. O presidente Jair Bolsonaro pode dizer que não enganou ninguém e que seu projeto na campanha era inclusive o de acabar com o ministério setorial. Porém, o governo não está entendendo que suas decisões ambientais afetarão a economia. O ministro Ricardo Salles detesta o meio ambiente, nunca tinha ido à Amazônia e é adepto fervoroso do centralismo estatal. Seus atos invertem o lema da campanha de Bolsonaro e impõem mais Brasília e menos Brasil nos conselhos ambientais.

O que fez no Conama gerou protestos e poderá levar a ações na Justiça, mas o que está fazendo no Conselho Orientador do Fundo Amazônia pode levar o país a perder dinheiro grande. O senador Flávio Bolsonaro apresentou um projeto tão estupidamente radical que seria cômico se não fosse grave. Quer acabar com toda a reserva legal nas fazendas. Só para se ter uma ideia: 80% da Mata Atlântica estão nas reservas legais. Cumprida à risca, isso acabaria com o que resta do bioma que protege a vida na região onde moram 70% dos brasileiros.

Cento e dezesseis pesquisadores da Embrapa assinaram um documento mostrando os riscos à produção agrícola e à vida se essa proposta for aprovada. A primeira lei que criou a reserva legal é de 1934. O senador Flávio Bolsonaro quer um retrocesso de 85 anos. O passado que esse governo busca é bem pretérito.

Quem é atualizado sabe que a proteção ambiental deixou de ser, há muito tempo, um assunto de nicho. Hoje o termo “ambientalista” vai muito além da sua concepção original. Gestores de dinheiro de investidores, como os citados no início dessa coluna, não perguntam sobre meio ambiente por ativismo.

Os donos do dinheiro que administram não querem investir em países e negócios que significam risco ambiental. Há óbvio risco de barreiras às commodities brasileiras. Se o ruralismo não reagir a tempo e com visão estratégica o setor vai sentir o impacto. Mas vai além do agronegócio. Um país que se isola, e vira um pária na questão ambiental e climática, é uma economia vulnerável.

Os investidores de qualquer área estão neste momento de olho em cada um dos movimentos do governo. O documento dos pesquisadores da Embrapa explica pacientemente como a reserva legal eleva a produtividade das fazendas e diz que fizeram a nota pelas “numerosas discussões recentes no contexto das propriedades rurais”. Segundo eles, a relação entre polinização e controle biológico por insetos com a produção é direta: “Levando-se em conta os dados da produção de 2012, a polinização mediada por insetos foi responsável por 30% da produção de 44 culturas brasileiras.”

O governo Bolsonaro brinca, por ignorância, com coisa séria. E enfrentará muito mais consequências do que consegue perceber na sua curta visão ideológica.

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