Míriam Leitão: Resistir na ciência e na universidade

Governo ataca as universidades sem conhecê-las e persegue cientistas quando não gosta do resultado das pesquisas.
Foto: José Dias/PR
Foto: José Dias/PR

Governo ataca as universidades sem conhecê-las e persegue cientistas quando não gosta do resultado das pesquisas

Noventa e cinco por cento das pesquisas são feitas nas universidades e mesmo assim 18 mil bolsas da Capes e do CNPQ foram perdidas e as universidades são atacadas pelo governo, lembra o reitor da Unicamp, Marcelo Knobel. A cientista Mônica Lopes-Ferreira, punida por ter divulgado uma pesquisa mostrando que não há dose segura de agrotóxico, disse que a ciência pede respeito. Entrevistei os dois sobre esse tenso momento do país, em que as universidades públicas e a pesquisa científica são alvos de ataque constante.

Mas a sociedade resiste. A Unicamp fez um movimento que mobilizou oito mil pessoas no campus, para a leitura de uma moção de defesa da ciência e da universidade, que uniu alunos de graduação, pós-graduação, professores, funcionários e a reitoria:

— Foi algo inédito em 53 anos. A primeira vez que isso ocorreu, mas a ideia era mostrar para a sociedade a importância da educação pública, da ciência e da tecnologia.

Uma prova da produtividade da universidade é que o faturamento anual das “empresas filhas da Unicamp” chega a R$ 7,9 bilhões, segundo divulgação recente na Agência de Inovação da Unicamp. São empresas fundadas por ex-alunos. A universidade transformou a região num polo de startups em diversas áreas. São 815 empresas que juntas criaram 35 mil empregos diretos.

— E fala-se que na universidade só tem balbúrdia e nada acontece. É um lugar que forma gente com seriedade — diz o físico Knobel.

A imunologista Mônica Lopes-Ferreira foi a responsável pelo desenvolvimento de um remédio para asma que evita os corticoides.

— Foi a partir das pesquisas que fazemos com peixes há mais de 20 anos. Num deles, encontramos uma molécula que é anti-inflamatória e cuja principal função pode ser o uso nos tratamentos contra asma. Existe já a patente em mais de 15 países, durante muito tempo trabalhamos em associação com a indústria farmacêutica brasileira e o que precisamos hoje é o investimento para que isso possa virar um medicamento — disse Mônica.

Mesmo com esse histórico, ela foi afastada por seis meses das pesquisas do Instituto Butantã sob o pretexto de que ao fazer a última pesquisa com peixes não submeteu ao comitê de ética. Ela foi à Justiça, que a reintegrou. A conclusão da pesquisa e que mesmo em doses mínimas, dez agrotóxicos testados provocam deformações ou matam os peixes.

— A ciência e a educação precisam ser respeitadas. Essa é a palavra, porque a ciência está em tudo. O que precisamos hoje é respeito, e foi isso que o movimento da Unicamp exigiu: respeito — disse Mônica.

— A verdade é que nunca, em nenhum momento da história da humanidade, algum país saiu da crise sem investir em ciência e tecnologia. Na Unicamp, temos uma história de sucesso e isso pode ser provado pelos números do faturamento e emprego das empresas filhas. Elas se conectam, há um networking acontecendo em Campinas, bem interessante. Mas isso acontece também em São Paulo, no Rio, em vários lugares do Brasil — diz Marcelo Knobel.

Hoje, segundo o reitor, praticamente 30% do orçamento da Unicamp vêm de parcerias com outras entidades, sejam empresas públicas ou privadas.

— Muita coisa é dita das universidades brasileiras sem nos conhecer. Eu atribuo (os ataques) à falta de conhecimento e ao discurso ideológico — disse Knobel.

O reitor definiu o Future-se, programa que o governo lançou, como “incerto”. Ele cria um fundo que poderia ser aproveitado para as pesquisas nas universidades, mas não se diz como o fundo vai ser constituído e como vai funcionar:

— Não se diz qual é o modelo de negócios do fundo.

Os dois disseram na entrevista que é fundamental preservar a autonomia das universidades e a liberdade de pesquisa. E é exatamente o que tem sido afetado por atos e palavras do atual governo.

— No meu caso, é porque o meu achado (contra os agrotóxicos) desagradou. É muito estranho eu ter que ir à Justiça para ter liberdade de pesquisa. Não estou brigando com o Instituto Butantã, que é um dos maiores centros de pesquisa, estou brigando pela ciência. E continuo trabalhando. Agora estou testando as águas de Brumadinho. Dado é dado, a gente não briga com dado.

Knobel fez um esforço de ajuste fiscal e a Unicamp está perto do equilíbrio orçamentário. Contudo, acha que certos cortes que o governo têm feito são ataques à universidade pública.

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