A subserviência aos Estados Unidos, marca maior da política externa do governo Bolsonaro, produz prejuízos concretos. Os americanos reduziram as cotas na exportação brasileira de aço. O Brasil não apenas aceitou, mas premiou o país, mantendo as cotas de importação de etanol americano sem tarifa. Cedeu também quando retirou o nome brasileiro e aderiu ao candidato americano, que foi eleito neste fim de semana para presidir o Banco Interamericano de Desenvolvimento. Um americano no BID é fato inédito na história da instituição. No caso do etanol, o governo quis beneficiar a campanha de Donald Trump à reeleição, só que em detrimento dos interesses dos produtores do Brasil.
Quando se fala que uma política externa independente é a que pensa nos interesses do Brasil em primeiro lugar, isso não é apenas retórica. Há efeitos concretos. A subserviência tem um preço. Quando um governo se deixa dominar por uma visão ideológica, o país como um todo perde. Nesses três casos o Brasil teve prejuízos, e os Estados Unidos, vantagens. O governo apresenta tudo como se fosse a expectativa de um ganho futuro que nunca vem, diz, por exemplo, que cedeu no álcool porque no futuro vai ganhar no açúcar.
O Brasil ficou contra o Brasil no BID. Foi exatamente isso que aconteceu. O governo já havia apresentado a proposta de um candidato brasileiro, mas a submissão foi tanta que assim que o governo americano apresentou o nome dele o Itamaraty e o Ministério da Economia aderiram imediatamente. Detalhe: desde a sua fundação, o banco é dirigido por um latino-americano. Faz parte das normas não escritas nas instituições multilaterais que o BID sempre é dirigido por um país da região.
Essa quebra de regras imposta por Trump foi tão acintosa que revoltou líderes europeus. O representante da União Europeia para a política externa Josep Borrell enviou a todos os países que têm capital na instituição uma proposta de adiamento da escolha para depois das eleições americanas. Vinte e dois ex-governantes da América Latina assinaram uma carta defendendo esse adiamento. Mas os Estados Unidos impuseram seu candidato e seu calendário. O governo brasileiro foi atrás, como um cachorrinho, com o rabinho entre as pernas.
Maurício Claver-Carone, o candidato de Trump, foi eleito no dia 12 de setembro, com os votos do Brasil e da Colômbia, mas sem os votos de Argentina, México e Chile, e sem o apoio dos países europeus, que votam porque têm capital no banco. Trump impôs à América Latina a quebra de uma tradição de seis décadas, e com a ajuda brasileira. Além de aceitar passivamente ser atropelado e aderir ao atropelador, o governo brasileiro ficou mal com países da região.
No caso do etanol, o governo decidiu manter por mais três meses a cota de importação de 187,5 milhões de litros sem tarifa. O tempo foi escolhido para favorecer Trump junto a produtores de milho, a matéria-prima do etanol deles. Ouvido pelo “Estadão”, o presidente da Unica, Evandro Gussi, disse que os estoques aqui neste momento estão 43% acima do mesmo nível do ano passado. Se fosse dentro de uma política de abertura comercial seria louvável. Mas é por um período específico, para ajudar o presidente americano em sua campanha, justamente ele que tem tomado decisões protecionistas em relação ao Brasil. O Itamaraty costuma ceder e soltar uma nota se elogiando. Trata concessão como se fosse conquista.
Nas questões conceituais, a política externa erra na área ambiental, política e de direitos humanos. O Brasil se aliou a países fundamentalistas islâmicos contra os direitos da mulher. Em artigo recente na “Folha”, Jacqueline Pitanguy alertou que no Conselho de Direitos Humanos da ONU o Brasil ficou junto de Arábia Saudita, Qatar, Afeganistão, Bahrein, Egito numa resolução que condenava a discriminação da mulher e estabelecia o “acesso às informações e métodos contraceptivos”. Ela lembra que nesses países árabes a mulher é cidadã de segunda classe.
A Constituição brasileira condena qualquer discriminação de gênero, portanto, a política externa brasileira é inconstitucional na área de direitos da mulher. Na economia, trai os interesses econômicos do próprio país. A diplomacia do governo Bolsonaro se divorciou do Brasil.