O fim de ano foi cheio de provas de que um dos problemas a corrigir na democracia brasileira é a vitaliciedade dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Hoje, eles praticamente governam o Brasil e têm poder demais por tempo prolongado demais. Gilmar Mendes, para ficar no mais polêmico, tem teoricamente mais 13 anos, a menos que ele decida encurtar sua presença na Corte, antes dos 75 anos.
A vitaliciedade é uma prerrogativa dos juízes da Suprema Corte em inúmeros países, mas em democracias mais consolidadas há contenções naturais aos seus poderes. No Brasil, mais do que corte institucional, o STF é também tribunal criminal da elite política. Aqui, juízes idiossincráticos tomam decisões autocráticas e controversas, se enfrentam no plenário como se estivessem em um ringue, e são chamados a arbitrar sobre questões do cotidiano.
O ministro Alexandre de Moraes nasceu no dia da decretação do AI-5, em 13 de dezembro de 1968. Completará 75 anos em 2043. Foi indicado pelo presidente Temer para um mandato de 26 anos, ou seja, terá poder pelos próximos seis mandatos presidenciais. Dias Toffoli já é ministro há oito anos e tem mais 25 anos pela frente para exercer seu mandato. O decano Celso de Mello foi escolhido pelo ex-presidente José Sarney e tem sido ministro por todo o período da democracia.
Isso não era problema até um passado recente. Havia uma regra não escrita pela qual o ministro mais antigo se aposentava após atingir o ápice e ser presidente do Supremo Tribunal Federal. Isso foi seguido por alguns, como Ellen Gracie e Joaquim Barbosa, mas a presença prolongada deixou de ser um constrangimento para os magistrados. O governo Collor acabou há 25 anos e o ministro que ele escolheu, Marco Aurélio Mello, ficará até 2021.
No último dia antes de sair para o recesso, o ministro Gilmar Mendes decidiu que não pode haver condução coercitiva. Deveria ser uma decisão colegiada, já que existe previsão legal, apesar da birra do ministro com o instrumento. Mas a decisão em cima do recesso mantém a soberania da sua vontade pessoal até a volta dos ministros ao trabalho. O ministro Ricardo Lewandowsky decidiu que o Executivo não pode adiar o aumento salarial concedido ao funcionalismo e o que estava no Orçamento teve que ser suspenso. A ministra Cármen Lúcia foi chamada para dizer se IPTU do Rio de Janeiro deve ou não subir. Por vontade dos ministros, ou por falhas institucionais, o STF virou mais do que o comando de um poder, ele se precipita sobre os outros.
Não faz bem para nenhuma democracia que uma pessoa detenha um poder tão grande durante, por exemplo, os 33 anos do mandato do ministro Dias Toffoli. Principalmente em época como a atual, em que há uma mistura explosiva: a exagerada extensão do privilégio de foro, ministros idiossincráticos, e a fragilidade das instituições que estimula as demandas de toda a ordem sobre a Corte.
Uma forma de resolver seria transformar em lei o que antes era costume: a saída do ministro, após exercer a presidência da Corte. A renovação das pessoas no poder é parte do exercício respiratório de qualquer democracia.
Em nenhuma República a vitaliciedade é uma boa regra. Nos Estados Unidos, tem sido objeto de muita controvérsia. Todos os demais cargos do outros poderes têm mandatos fixos. Não se justifica essa prerrogativa pouco solidária com os princípios republicanos fundadores.
O mandato não é o único problema do Supremo Tribunal. Ele exerce funções de justiça quase ordinária, quando devia ser fundamentalmente a corte constitucional e o recurso em última instância. E não para protelar sentenças passadas em julgado em outras instâncias, mas para dar a palavra final em conflitos constitucionais. Principalmente aqueles nos quais se opõem cidadãos e o Estado ou os conflitos que eventualmente ocorram entre os outros poderes da República. Este controle constitucional, sim, é um mecanismo indispensável ao equilíbrio democrático e será sempre prerrogativa do STF. Para que a Corte melhor o exerça sua composição deveria conter algum mecanismo que permita a renovação mais frequente.