Míriam Leitão: Papel do BNDES no Estado menor

Mudanças no BNDES já vinham acontecendo, e Levy terá que vencer resistências internas para avançar mais.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Mudanças no BNDES já vinham acontecendo, e Levy terá que vencer resistências internas para avançar mais

O maior desafio do BNDES, segundo o novo presidente da instituição, Joaquim Levy, éo fluxo de projetos na área de infraestrutura, “na logística, na energia, na produtividade”. Esse é de fato um papel fundamental do banco. Houve um tempo em que empreiteiras formulavam a modelagem dos projetos elevavam prontos para o setor público. Foi assim comas hidrelétricas na Amazônia. Depois dos escândalos descobertos pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, essa prática, felizmente, acabou. Agora é o setor público que faz, e o BNDES pode ser o grande formulador, além de financiador.

O presidente Jair Bolsonaro falou em “abrir a caixa-preta do BNDES”. Na posse, ontem, a expressão não foi mencionada. O banco tem ampliado bastante a transparência dos seus financiamentos. Levy ressaltou que o banco tem que estar preparado para participar de um novo ciclo de crescimento do país.

Um dos problemas de Joaquim Levy no BNDES será conquistar a máquina para o novo rumo do banco. Mais de 70% dos funcionários foram contratados na administração de Luciano Coutinho. Ele fez um plano de demissão voluntária e, com este e vários outros sinais, empurrou toda uma geração para fora da instituição. Saíram 1.200 servidores e ele contratou um número ainda maior. Esses jovens foram formados em sua maioria dentro da ideia do BNDES turbinado com recursos do Tesouro, que fazia a escolha de campeões nacionais. Normalmente os funcionários reagem a quem chega com a promessa de reduzir a dimensão do banco. Por isso houve tanta reação à Maria Silvia e à TLP, que impede o crescimento do subsídio em época de Selic alta.

Grande parte desses técnicos também não gosta de autocrítica de ações passadas do banco. O ex-presidente Paulo Rabello de Castro fez grande sucesso com o seu Livro Verde, no qual justificava até os crassos erros na época do governo militar. Nos anos 1970 e 1980, foram tantos empréstimos para empresários de São Paulo — muitos faliram e não pagaram os créditos —que o atual ministro Paulo Guedes colocou, na época, o apelido no banco de “recreio dos bandeirantes”. Mas até aqueles empréstimos nocivos foram defendidos no Livro Verde.

O ex-presidente Dyogo Oliveira afirmou certa vez que foi um erro conceder financiamento para Venezuela e Cuba. Foi cobrado internamente por ter dito isso. Argumentaram que a fala dele seria usada contra o banco e contra os funcionários que aprovaram os créditos. A inadimplência desses países superou US$ 1 bilhão. Mesmo assim, não se reconhece internamente que foi um erro. Argumentam que as operações foram garantidas pelo Tesouro, e portanto o balanço do banco estava protegido. Ontem, Dyogo disse que se houve erros em gestões passadas não foi culpa do corpo técnico e sim resultado de decisões políticas.

A maioria dos funcionários não admite que foram equivocados os empréstimos e a compra de debêntures do setor frigorífico que alavancaram o grupo JBS. Toda a internacionalização das empresas de Joesley Batista foi financiada através da venda ao BNDES de debêntures da empresa. O caso mais escandaloso contudo foi a compra de ações do frigorífico Independência, que quebrou três meses depois.

Apesar dessa resistência interna à autocrítica, o banco veio mudando nos períodos de Maria Sílvia e de Dyogo Oliveira. Redirecionou o crédito para pequenas e médias empresas, aumentou a informatização, tornou mais rápido e fácil o acesso aos créditos, aumentaram as informações prestadas ao público. Hoje só não são divulgados dados financeiros prestados pela empresa ao banco, mas as características da operação de crédito como prazo, carência, finalidade, tipo de operação, volume concedido são colocadas no site.

O BNDES é fundamental para o país. É responsável por 50% da expansão da energia, e nas renováveis financiou 70%. Só na eólica foram 13 gigawatts. Nos transportes, quase tudo é financiado pelo banco. Ele mesmo tem estruturado nos últimos anos mecanismos financeiros para a entrada do setor privado em financiamento de longo prazo. As mudanças já começaram a acontecer. Joaquim Levy poderá avançar bastante, mas terá que convencer parte dos jovens funcionários do banco de que o caminho virtuoso é financiar o desenvolvimento, mas evitar que a instituição seja mais um instrumento para fortalecer o patrimonialismo brasileiro.

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