Há dinheiro sobrando no Orçamento. Essa é a ironia desta crise. Houve o chamado empoçamento. Até junho, o dinheiro não executado chegou a R$ 31 bilhões. Outro risco: em 2021, não há meta fiscal porque foi impossível estabelecer uma previsão quando foi feita a LDO. O ambiente parece perfeito para os gastadores. Só que existem dificuldades técnicas e uma trava para os gastos: o teto. Não é a primeira vez que o ministro Paulo Guedes entra em zona de turbulência, mas esta é a pior crise. No governo, dizem que ele não sai, mas a tensão está aumentando. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em conversa com interlocutores internos, já avisou que concorda em 99% com o ministro Paulo Guedes. Não poderia ser o substituto na eventualidade da queda.
A solução, segundo eu soube no governo, será conseguir algum dinheiro este ano para atender aos ministros Rogério Marinho e Tarcísio de Freitas. E essa foi toda a discussão das últimas horas. Marinho, que queria R$ 30 bi, se contentaria com R$ 5 bilhões, mas nem isso Paulo Guedes achou técnica e fiscalmente viável. A turma do deixa disso está querendo convencer Guedes a ceder um pouco, e Marinho a concordar com menos. No final do dia, estava estabelecido que haveria uma MP de R$ 5 bi, e que R$ 1,8 bi seria para o Ministério do Desenvolvimento Regional. E Paulo Guedes bateu pé: só o que fosse possível ser executado até 31 de dezembro, porque no ano que vem não haverá a PEC da guerra, portanto, voltam a valer todos os limites de despesas.
Para entender o ambiente de ontem, de boatos sobre a queda do ministro Paulo Guedes, é preciso saber três coisas. Há uma rede de intrigas, há complexas questões fiscais envolvidas e existe o desgaste. Um observador da cena interna do governo lembra que já houve outras crises e a atual começou em abril, com o anúncio do Plano Pró-Brasil, quando se falou abertamente em abandonar o teto de gastos. A equipe econômica, na época, fez uma reunião e disse que estava com Guedes. Se o teto caísse, sairiam todos. De lá para cá, vários já saíram. Nas outras duas grandes crises, ele teve defensores dentro do governo. Agora, eles estão rareando.
A primeira crise foi entre o final da tramitação e a aprovação da reforma da Previdência. Guedes fez duras críticas às mudanças no Congresso. Ali, Guedes e Marinho ficaram mais distantes, e houve o embate com o deputado Rodrigo Maia. Na segunda crise, Guedes foi criticado por seu desempenho em Davos, pelo resultado baixo do PIB, pelas “não entregas”, e tropeçou mais uma vez nas palavras. Chamou os servidores de parasitas e criticou empregadas que teriam ido à Disney no câmbio baixo. Precisou ser defendido pelo presidente, que disse que ele teria cometido apenas “gafes” e ficaria até o final do mandato.
Com as chamadas “não entregas” do ideário liberal, o mercado financeiro perdeu a visão quase religiosa que tinha de Paulo Guedes. Agora, quando se fala com os economistas dos bancos, eles dizem que sabem que ele está isolado e que o programa se frustrou, porém, se sair, vai haver uma deterioração de preços de ativos, pelo entendimento de que a agenda liberal foi definitivamente abandonada.
No governo, o clima é o seguinte: Paulo Guedes se sente traído, porque acha que levou Marinho para o governo, quando o ex-deputado perdeu o mandato, e ele, depois de virar ministro, voltou-se contra Guedes. Outros ministros contam que Bolsonaro e Marinho se aproximaram muito e têm se encontrado toda semana. O presidente gosta do que ouve e quando vai falar com Guedes recebe a informação de que aquilo é impossível.
Na área técnica, o que se conta é que há duas armadilhas fiscais. Primeiro, o fato de que há dinheiro sobrando no orçamento. Recursos ordinários não foram gastos porque o governo parou. O segundo é que quando foi preparada a LDO era impossível fazer uma estimativa de receita para 2021. Então, pela primeira vez depois de décadas, o resultado primário será flexível. Não é simples realocar o dinheiro que está sobrando, muito menos usá-lo no ano que vem porque o teto de gastos voltará a valer. O que ouvi no governo e entre economistas do mercado: Paulo Guedes não sai agora, e é difícil substituí-lo. Roberto Campos Neto tem dito a quem o procura que concorda em quase tudo com Guedes. Um aviso de que não aceitaria ser o substituto.