Usando truque do último dia, Marco Aurélio tentou impor sua vontade aos demais ministros do STF sobre a prisão em 2ª instância
O que houve ontem no Supremo apequena a Justiça. Não faz sentido o ministro Marco Aurélio tomar uma decisão monocrática sobre assunto controverso faltando uma hora para começar o recesso. Felizmente, o ministro Dias Toffoli cassou a liminar. Esse truque do último dia foi usado ontem por dois ministros. Em uma de suas liminares, Marco Aurélio quis impor sua vontade aos demais no caso da prisão em segunda instância, tema que divide a corte e será apreciado em abril. Em outra, interferiu no programa de desinvestimento da Petrobras. O ministro Ricardo Lewandowski usou a mesma artimanha do ano passado para impor o aumento de salário dos servidores. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, aproveitou uma viagem do presidente Temer para sancionar uma lei polêmica que a área econômica sugerira vetar. Que fase!
Ninguém no país desconhece que a questão do início do cumprimento da pena é polêmica e sobre ela o STF está dividido. Portanto, uma decisão monocrática não caberia por mais arraigadas que sejam as convicções do ministro. O que está valendo é ainda a última decisão tomada pela corte, que permitiu a prisão após a segunda instância. A data para rediscussão está marcada para 10 de abril. Sendo assim, por que o ministro Marco Aurélio tomou uma decisão de último dia? “Aguardei o crivo do tribunal e nada. Encerrou-se o ano e, então, surgiu campo para a decisão individual”, me disse ele. O presidente do STF no fim do dia restabeleceu a normalidade. Agora é aguardar a decisão do colegiado.
O ministro Ricardo Lewandowski repetiu o mesmo truque de 2017. No último dia do ano jurídico, forçou o reajuste aos servidores públicos. O aumento havia sido dado aos servidores em parcelas anuais até 2019. Não pode ser anulado. Mas pode ser adiado. E foi isso que a área econômica fez. O gasto extra de R$ 6 bi ficaria para 2020. Lewandowski derrubou a decisão do executivo e elevou despesas do Orçamento.
O ministro Marco Aurélio também decidiu suspender os efeitos do decreto do presidente Temer que facilitava a venda de ativos pela Petrobras. Com isso, o plano de desinvestimentos da empresa fica em suspenso. O ministro concordou com a tese do PT de que cabe ao Congresso decidir sobre o assunto. A questão é que o Congresso, há 23 anos, aprovou uma emenda acabando com o monopólio do petróleo, não faz sentido que a empresa tenha que consultar o parlamento em cada compra ou venda.
Sobre o momento do início do cumprimento da pena, há uma controvérsia no STF. De um lado, alguns ministros pensam que só após o julgamento do último recurso na última instância o réu pode cumprir a pena. Outro grupo considera que a partir da confirmação da sentença por um órgão colegiado pode haver a execução provisória. Quem conhece o Brasil sabe que se prevalecer esta infinita estrada recursal os beneficiados serão os ricos e poderosos. Por isso, os procuradores da Lava-Jato ontem disseram que se não houver prisão após condenação em segunda instância não há punição para crime do colarinho branco.
Há dúvida também se uma decisão tomada em 2016 deve ser novamente apreciada em tão pouco tempo. O ministro Marco Aurélio argumentou que o ministro Gilmar Mendes mudou de ideia e a ministra Rosa Weber indicou que votará contra a prisão após a segunda instância. Ora, se ele acha que formou-se nova maioria nada mais normal que espere até abril, em vez de tomar uma medida estouvada. A única frase convincente da sua decisão solitária aplica-se à sua própria liminar: “Tempos estranhos os vivenciados nesta sofrida República.”
Houve outras estranhezas. O deputado Rodrigo Maia esperou sentar-se na cadeira da Presidência para sancionar a possibilidade de que os municípios descumpram a Lei de Responsabilidade Fiscal. Todo mundo sabe que essa interinidade não é para ser usada para tomar decisões dessa envergadura.
Nesse dia, ainda houve mais um fato grave. Fabrício Queiroz, assessor do senador eleito Flávio Bolsonaro, não foi depor sobre suas movimentações bancárias. O próprio senador havia dito que suas explicações eram plausíveis e não tinham ilegalidade. Foi marcada nova data. Enquanto Queiroz continuar se escondendo, a dúvida permanece depositada no colo dos Bolsonaro.