Míriam Leitão: Os sinais de risco que o BC não viu

Um dia depois da queda dos juros e da indicação de novos cortes pelo BC, bancos preveem juros reais perto de zero e o dólar sobe.
Foto: Banco Central
Foto: Banco Central

Um dia depois da queda dos juros e da indicação de novos cortes pelo BC, bancos preveem juros reais perto de zero e o dólar sobe

Os sinais na economia brasileira e mundial são mistos, mas o Banco Central tomou a decisão de baixar os juros e indicar novas quedas. O BC olhou pouco para os riscos e muito para a necessidade de dar estímulos monetários à economia. Ontem o Brasil foi o país onde o dólar mais subiu. Alguns bancos previram taxas ainda menores ao fim do ciclo de baixa. Há até quem tenha passado a apostar em Selic a 4,25%. Se isso acontecer, os juros reais estarão próximos de zero e o país mais vulnerável a qualquer choque inflacionário.

A economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, acha que o Banco Central viu uma janela de oportunidade para cortar os juros e obter uma reação mais forte na economia e por isso estima que a Selic cairá a 4,5%. Mas ela admite que há alguns riscos nessa estratégia:

— O ambiente no mundo é de fato desinflacionário, mas o dólar está subindo, por isso tenho minhas dúvidas se é sustentável. Por causa do dólar.

Zeina diz que apesar da melhora recente na área fiscal, com a aprovação da reforma da Previdência e a atuação dos bancos públicos e do Tesouro, novos sinais negativos começaram a surgir:

— Eu pessoalmente acho que aumentou o risco fiscal. Pegue os últimos desdobramentos: houve o debate do teto de gastos, a história do Fundeb. Ano que vem tem eleições, o que deve dificultar as reformas. Digamos que o governo não consiga manter a regra de teto, o câmbio será outro, os juros também terão que ser. Pense como agência de rating: o país acaba de começar a fazer a dieta e pede para comer um chocolate — diz Zeina.

No debate do teto, o presidente Bolsonaro num dia pendeu para os ministros que querem eliminá-lo, no outro voltar a concordar com o Ministério da Economia. Ficou a dúvida no ar. Sobre o Fundeb, foi aprovado um aumento da participação do governo no financiamento da educação básica. O governo ignorou esse assunto, por mais que os especialistas em educação alertassem que era preciso decidir logo porque o Fundo acaba em 2020. Agora uma proposta na Câmara refez o Fundo aumentando o gasto federal. Aí, a equipe econômica se encheu de preocupação. O fato é que a área da educação tem sido muito mal gerida desde o começo do governo Bolsonaro.

O economista Luiz Roberto Cunha, professor da PUC-RJ, analisa o cenário de novas quedas de juros com alguma dúvida:

— Se você tem 4,5% de Selic e o IPCA está em 3,5%, os juros reais ficam muito baixos. Qualquer choque inflacionário levará os juros reais para zero. Não é um cenário que me deixe muito confortável.

O PIB mundial está desacelerando. A OCDE divulgou ontem a nova previsão de crescimento mundial para 2,9%. No ano passado o mundo cresceu 3,6%. No texto, a OCDE diz que as economias estão “entrincheiradas”. O risco portanto é até de recessão global se os países continuarem se fechando na esteira da guerra comercial Estados Unidos e China. Por isso, os bancos centrais aprovam estímulos monetários para evitar a desaceleração. O Fed reduziu juros. O presidente Donald Trump não gostou. Queria uma queda maior.

O Brasil tem uma história diferente. Quando o mundo crescia, o país entrou em recessão e ainda não conseguiu retomar o crescimento. O problema é que os juros aqui já caíram de 14,25% para 6,5% no governo Temer, e agora, na segunda queda no governo Bolsonaro, foram para 5,5%. E o Banco Central avisou que fará novas reduções. A inflação está em 3,43%, o que em qualquer outro país do mundo seria alta depois de cinco anos de não crescimento.

Há outra dúvida levantada por Zeina Latif. Qual é a capacidade ociosa do Brasil? Deveria ser alta por causa da queda do nível de atividade, mas como a crise é muito prolongada, parte do maquinário parado simplesmente pode ter ficado obsoleto. A capacidade ociosa favorece o crescimento sem gerar inflação.

No mundo esta semana houve uma mudança estrutural. O país que era o guardião do mercado de petróleo virou o calcanhar de Aquiles. O fato de a Arábia Saudita ter se mostrado tão vulnerável é até mais relevante numa análise de risco do que a queda temporária de produção.

Havia razões para a queda dos juros, inflação abaixo da meta e economia estagnada, mas pelo comunicado do Banco Central fica claro que há riscos que ele não está considerando. Foi pelo tom brando — dovish, como se diz no mercado— que os bancos revisaram para baixo o piso da Selic. Se reduzir a Selic para subir logo em seguida, como aconteceu em 2012, perderá reputação.

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