Míriam Leitão: Os preços ao sabor do tempo

O problema não é apenas o arroz. Ele subiu 15,69% e deve ter sido isso que preocupou a repórter mirim que foi à reunião ministerial. Nos primeiros sete meses do ano, pelo índice oficial, o feijão preto subiu ainda mais: 29,51%.
Foto: Felipe Pinheiro/Prefeitura de Sorocaba
Foto: Felipe Pinheiro/Prefeitura de Sorocaba

O problema não é apenas o arroz. Ele subiu 15,69% e deve ter sido isso que preocupou a repórter mirim que foi à reunião ministerial. Nos primeiros sete meses do ano, pelo índice oficial, o feijão preto subiu ainda mais: 29,51%. A batata inglesa, 25%. A cebola está de chorar: 81%. Isso de janeiro a julho no IPCA. Hoje sairá o dado de agosto. E o índice geral deve ficar em torno de 0,3%. O acumulado do ano até julho é de apenas 0,46%. O caminho do presidente de pedir “patriotismo” aos supermercados não funciona, mas sim a lei da oferta e da procura. Espera-se que, a esta altura, o ministro Paulo Guedes já tenha explicado ao presidente a ideia básica.

A demanda subiu em parte em consequência do sucesso do programa de transferência de renda para pessoa física. O auxílio emergencial chegou aos mais pobres, houve demanda grande de alimentos e de material de construção. Alguns dos itens de construção estão com atraso de três meses para entrega. Além disso, as exportações do agronegócio, favorecidas pelo dólar alto e pela demanda chinesa, bateram recorde, pressionando ainda mais alguns preços.

No meio de uma recessão deste tamanho, pode parecer estranho. Mas isso tem explicação. Uma parte do programa do governo contra os efeitos da pandemia na economia foi o auxílio emergencial. E ele, noves fora as fraudes e as filas da Caixa, foi bem-sucedido. Pelos dados que o próprio governo tem, na faixa mais pobre da população, com rendimentos de até R$ 500, o auxílio elevou a renda em 250%. Entre quem ganha de R$ 500 a R$ 1.000, houve 150% de recomposição. E nos que recebem até R$ 1.500 chegou a 75%. Isso teve um efeito multiplicador grande na economia. Quem recebeu comprou alimentos, material de construção e alguns itens da linha branca.

O auxílio criou um padrão de consumo que é temporário. No primeiro momento ajudou a atenuar a queda da economia, mas num segundo momento pode haver um “vento contra”, como ouvi no próprio governo. Na hora em que o auxílio acabar, pode haver uma queda forte no consumo. Isso é que faz com que o ministro da Economia fale tanto no Renda Brasil que, contudo, ele não sabe como viabilizar.

O governo foi ineficiente na transferência de recursos para as empresas. As linhas para a pessoa jurídica foram confusas e demoradas. As grandes conseguiram acesso, mas as pequenas empresas, não. O processo decisório foi muito lento, com idas e vindas, e o dinheiro só agora está chegando à ponta. Exceto um ou outro programa que deu certo, como o Pronampe, no resto, o governo enrolou-se em suas próprias burocracias e indecisões.

O fato é que agora há pelo menos 25 milhões de pessoas que dependem basicamente do dinheiro do governo para viver, e as empresas estão fragilizadas, muitas quebraram e essa era a hora de haver maior oferta empregos. Por isso, a preocupação em manter o programa de desoneração dos 17 setores mais empregadores. E é isso que está sendo debatido no Congresso. O ministro Paulo Guedes quer oferecer em troca uma desoneração para todos os setores, desde que limitado aos empregos de até um salário mínimo e dependendo da aprovação do tal imposto sobre pagamentos. Muito provavelmente o veto será derrubado e esses setores poderão recolher à previdência um percentual sobre a receita bruta, em vez de 20% sobre a folha.

Em relação à inflação, há um enorme desencontro de números. Produtos que subiram muito de preço, em geral alimentos, e outros que ficaram bem baixos. Por isso, o IPCA está em torno de 2% em 12 meses. Já o IGP-DI, da Fundação Getúlio Vargas, acumula alta de 15,2%. O dólar alto bateu forte nos preços do atacado, as commodities dispararam, como o minério de ferro. O IGP-DI de agosto, divulgado ontem, deu 3,87%, maior do que a inflação de um ano medida pelo IBGE. Os dois institutos medem coisas diferentes. A profunda recessão da economia manterá os preços no atacado bem diferentes dos preços ao consumidor, exceto por alguns setores, como alimentos.

O pior ingrediente que pode ser adicionado à economia, neste momento, é um ataque de populismo do presidente da República, fazendo apelos a supermercados ou insinuando artificialismos. Em um país que tem sofrido, nesta administração, sérios retrocessos em tantas áreas, só faltava ter que lidar com interferência governamental na formação de preços.

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