A capitalização só atrapalha o debate da reforma da Previdência. O projeto ainda não foi feito, só tem linhas gerais, mas não há apresentação do ministro Paulo Guedes em que ele não gaste a maior parte do tempo falando dela. É uma intenção, por enquanto. E como não há resposta para a questão-chave “quanto custa a transição”, a discussão fica ociosa. Sempre que ela é feita, a resposta vem em forma de generalidades, como a de que temos que tirar os jovens do avião que está caindo.
Desta vez, a pergunta do custo da transição foi feita pela deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ). E o número não veio, até porque não existe. Como a parlamentar havia criticado o desemprego, entre outros pontos da crise, houve a primeira das alterações do ministro, atacando “quem ficou no poder por 16 anos”. A propósito, a conta só dá 16 anos se não se separar o governo Dilma do de Temer. Mas evidentemente ninguém tira do ministro da Economia a razão: este desemprego não é do atual governo, que acabou de chegar. Quem conhece economia sabe o que houve.
A equipe econômica tem que se concentrar em explicar os parâmetros do atual sistema, porque é nisso que se resume a PEC. O ministro também precisa segurar seus nervos. Para a oposição, é trabalho fácil tirá-lo do sério. O deputado Marcelo Ramos (PR-AM), presidente da Comissão Especial, teve que chamar a atenção de Guedes pelo menos duas vezes. Numa delas, Paulo Guedes afirmou que o “padrão da casa” era a baixaria depois das 18h. Sair do foco da reforma, e ir para a briga política, é inútil, dado que o país não está em período eleitoral.
A reunião de ontem na Comissão Especial foi mais bem preparada, com a alternância de falas a favor e contra, com a melhor ocupação geográfica do espaço. E as mudanças propostas foram mais bem explicadas, até porque houve uma apresentação estruturada do secretário Rogério Marinho. Mas há um número voando que não está em lugar algum. Quando eles apresentam a tabela do déficit de cada segmento da sociedade, invariavelmente o dado do rombo do sistema de aposentadorias e pensões dos militares aparece subestimado. Ontem, na tabela de Rogério Marinho, caiu mais um pouco. O ministro falou em R$ 20 bilhões, e a tabela mostrou R$ 18 bilhões, quando o número correto é R$ 43 bi. Eles sabem disso. Mas o governo só inclui na conta o que se paga às pensionistas, excluindo-se o gasto com quem está na reserva.
Na oposição, o discurso é o mesmo de sempre, de críticas à reforma, principalmente nos pontos mais vulneráveis, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) ou a aposentadoria rural. Mas houve avanços pequenos. Jandira Feghali já admite que há déficit, só que ela diz que é de R$ 54 bilhões. E o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) aceita que é preciso adaptar o sistema às mudanças da demografia e aprova a ideia das alíquotas progressivas. Mas não vai muito além disso.
Uma questão que a oposição sempre pergunta é para onde vai o R$ 1 trilhão que será poupado caso a reforma seja aprovada. O que falta o governo explicar com clareza é que não terá lucro com a reforma, nem mesmo o sistema ficará equilibrado. A reforma conseguirá reduzir o ritmo de alta do déficit e em algum momento estabilizá-lo. Paulo Guedes tem dito que se for aprovada a reforma de R$ 1 tri será apresentada a capitalização, e isso gera mais confusão.
— Vamos permitir que os jovens façam essa escolha. Se a poupança for de R$ 1 trilhão, vamos simular com os jovens entrando. Se for menor do que isso, a resposta é zero. Por isso o senhor não recebeu resposta exata, porque pode não haver a capitalização. Se for de R$ 700 bilhões, não vai haver. E se for R$ 1 trilhão? Aí vamos simular. Porque já está simulado que o rombo sumiu por 10 anos. Temos tempo agora para fazer as simulações e submeter aos senhores. Estamos pedindo licença para criar um regime alternativo de capitalização. E ele vai ser avaliado aqui de novo — disse Guedes.
O rombo não vai sumir com esta reforma. Este ano será de quase R$ 290 bilhões a soma do déficit do INSS, com o dos servidores federais e o dos militares. A economia de R$ 1 trilhão é em 10 anos. A antecipação da discussão de um projeto polêmico, que ainda nem se sabe se será enviado, é no mínimo contraprodutiva. Afinal, a batalha da hora é pela atual reforma da Previdência. E é fácil concluir que se houver menos contribuintes no sistema de repartição o rombo tende a crescer.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)