Valor recuperado pela Lava-Jato mostra que ela não foi perseguição contra um partido, mas investigação de crimes contra os cofres públicos
A Lava-Jato é a mais bem-sucedida operação de combate à corrupção se for considerado o valor do dinheiro ressarcido. Como mostrou a reportagem deste jornal ontem, aproximadamente R$ 2 bilhões do dinheiro desviado já voltaram aos cofres públicos, somente pelos delatores. Mas há também o que foi pago pelas empresas em acordos de leniência. Só o JBS está pagando parcelado uma dívida R$ 10,3 bilhões corrigida pela inflação. Tem ainda o que foi pago pela Petrobras pelo acordo com o Departamento de Justiça americano que já está indo para cobrir despesas públicas.
Os acordos de leniências das empresas foram fechados com instâncias diferentes do setor público. Alguns com o Ministério Público Federal, outros com a AGU, outros com o Cade. É difícil saber tudo o que será pago ao fim do processo. Para se ter uma ideia, o acordo do MP com a JBS prevê pagamento de R$ 10,3 bi em 23 anos corrigido pelo IPCA. Já pagou quatro parcelas semestrais, um pouco mais de R$ 200 milhões, segundo apurações da coluna. Talvez o JBS tenha que antecipar pagamentos, em duas circunstâncias: se o STF decidir revisar as colaborações, e se o grupo fizer um acordo com o Departamento de Justiça de pagar em período mais curto.
O governo tem recebido dinheiro, mas perdeu muito mais. O jornal “Estado de S. Paulo” trouxe uma estimativa feita pelo presidente do BNDES, Gustavo Montezano, de que o potencial de perdas com a Odebrecht pode ser de R$ 14,6 bilhões. Só que ele não disse que critério usou. Esse valor de R$ 14,6 bilhões é o total de dívida das empresas do grupo em recuperação judicial. Algumas têm garantia — como ações da Braskem, por exemplo. No caso da Atvos, tem que ser descontado o custo da Brenco, uma empresa de açúcar e álcool, com dívidas impagáveis, que o banco pediu para a Odebrecht assumir em troca de um financiamento. Enfim, a conta precisa ser bem feita e, na verdade, não é preciso exagerar porque as perdas do BNDES serão grandes mesmo, tanto com a Odebrecht quanto em outras operações que vêm sendo investigadas por corrupção.
Na reportagem publicada ontem pelo GLOBO, o repórter Gustavo Schmitt fez um levantamento de tudo o que já foi pago nas delações premiadas. Até agora, chega a R$ 1,837 bilhão pagos por delatores. O valor total, ao fim das parcelas, será R$ 3,1 bilhões. Há outros recursos que voltam aos cofres públicos mesmo que não sejam de delatores, como os R$ 77 milhões descobertos pela Lava-Jato em contas no exterior de Renato Duque.
O que causou polêmica foi o dinheiro do acordo entre a Petrobras e o Departamento de Justiça americano. Os procuradores de Curitiba pensaram em criar uma fundação destinada a combater a corrupção, e a PGR entrou no Supremo contra a ideia. Neste mês, foi fechado um acordo entre o governo, a PGR e o Supremo, através do ministro Alexandre de Moraes, e o dinheiro foi destinado em grande parte para Amazônia e educação. Falado assim parece ótimo, porque são duas grandes emergências, mas é preciso ficar ainda mais transparente a destinação do dinheiro. Um dos objetivos do ministro Ricardo Salles é usar no que ele define como “regularização fundiária”, que pode acabar levando recursos para quem ocupou indevidamente terra pública. Um governo que defende posições controversas precisa explicar melhor como pretende usar o dinheiro que volta aos cofres públicos. Já na Petrobras, segundo a empresa, todo o dinheiro devolvido pela Lava-Jato entrou no caixa para ser usado como a estatal achou mais necessário.
Em inúmeros casos de combate à corrupção houve revelação sobre perdas. O que torna a Lava-Jato diferente de outras operações é a capacidade demonstrada de fazer os corruptos devolverem o dinheiro do assalto aos cofres públicos.
Esses montantes que voltaram demonstram claramente que a operação não foi uma perseguição política contra um único partido, mas sim investigação sobre crimes cometidos contra os cofres públicos por empresas e políticos. Pode-se criticar vários aspectos da operação, como a intimidade que se revelou existir entre o juiz Sérgio Moro e os procuradores de Curitiba. Mas os recursos retornados são a prova da corrupção que de fato ocorreu no Brasil. É difícil argumentar diante da materialidade do dinheiro.