Míriam Leitão: Os deserdados da terra do meio

PT cometeu erros que jamais deixei de criticar neste espaço. Mas reafirmo que considero o risco à democracia maior em Bolsonaro.
Foto: Fernando Frazão/Agencia Brasil
Foto: Fernando Frazão/Agencia Brasil

PT cometeu erros que jamais deixei de criticar neste espaço. Mas reafirmo que considero o risco à democracia maior em Bolsonaro

É da natureza do segundo turno ser polarizado. São dois os candidatos que sobram da primeira disputa e eles precisam definir-se como lados claramente opostos, mesmo que não sejam tanto assim. Na terra do meio ficam os eleitores dos que perderam a eleição e vão procurar, por aproximação, o seu candidato. Desta vez, há muitos que andam confusos nesse terreno do meio que parece estar desaparecendo na polarização agressiva que toma conta do país.

A opinião que provocou a fúria dos seguidores de Jair Bolsonaro repito aqui: os riscos à democracia não são equivalentes nos dois cenários eleitorais. São maiores com Bolsonaro. O PT cometeu os erros que — os que seguem esta coluna sabem — jamais deixei de criticar, mas o partido de fato fortaleceu a Polícia Federal, escolheu o primeiro da lista para o Ministério Público, nomeou ministros do Supremo que em sua maioria tiveram e têm posições de independência. Aprovou a Lei da Delação, da Ficha Limpa e do Acesso à Informação. O partido acabou vendo seus dirigentes denunciados pelo MP e condenados pela Justiça. Em vez de fazer autocrítica pelo vasto esquema de corrupção no qual se envolveu, o PT preferiu dizer que o julgamento não foi justo e que é perseguido por procuradores e por juízes. Também não reconheceu os erros que cometeu na economia e que levaram o país à recessão e ao desemprego.

Jair Bolsonaro, porém, fez, de forma sistemática, na sua carreira política, a apologia do regime ditatorial, exaltando inclusive os seus piores crimes como a tortura e a morte de adversários políticos. Isso é incontestável. Há palavras demais dele confirmando essa visão. Durante esta campanha, vinculou sua candidatura às Forças Armadas e elas nada fizeram para desfazer essa vinculação e deixar claro que, como instituição, não têm candidato. Pelo menos não deveriam ter, mas o silêncio é bem eloquente. Para piorar, seu candidato a vice, general Hamilton Mourão, lembrou da possibilidade do autogolpe, ato em que um presidente se sentindo ameaçado aumenta os próprios poderes. Bolsonaro desautorizou o general. Na terra do meio, muita gente não quer nem um, nem outro, e oscila entre o branco, o nulo e a abstenção.

Os candidatos que perderam abriram mão de sua liderança e preferiram dizer a obviedade de que os eleitores são livres. São, mas para isso servem os líderes, para dizer o que pensam em momento difícil. Esse é o ônus da liderança. Ao se omitirem, eles deixaram abandonados os da terra do meio.

O normal no segundo turno é que os candidatos caminhem para o centro. O PT fracassou em formar a sua frente democrática, em parte porque nunca fez uma autocrítica convincente, não retirou pontos obscuros do seu programa, como a ameaça à imprensa. A declaração de José Dirceu, felizmente renegada pelo candidato Fernando Haddad, foi clara demais para ser esquecida. Ele disse que agora era hora de “tomar o poder”, e isso é diferente de ganhar eleição. É bravata do ex-ministro. Eles não têm os meios para essa tomada de poder, mas quem teme o risco PT viu nisso a confirmação de seus temores. Além disso, o PT tem a má prática de desqualificar e ofender seus críticos e isso torna difícil a construção de pontes.

Bolsonaro não tem feito esforço algum para atenuar os muitos excessos de linguagem que cometeu ao longo de sua vida, até porque acha que, por causa dessas posições, está em situação confortável nas pesquisas. Apesar do seu favoritismo, continua colocando em suspeição o processo eleitoral. Diante da pesquisa, após o resultado do primeiro turno, que dava a ele 16 pontos de vantagem sobre o adversário, Bolsonaro disse que as pesquisas eram preparação para a fraude. Esse tipo de desconfiança alimentada por ele em seus eleitores faz mal à democracia. Os atos de violência praticados por seus eleitores aumentam, mas Bolsonaro diz que não manda em 49 milhões de brasileiros que votaram nele. Felizmente, agora, passou a condenar esses atos mas, como líder, deve se esforçar mais para conter essa onda de agressividade na política, até porque já foi vítima dela.

Aterrado meio pode ser evitada na estratégia eleitoral, mas é inevitável na hora de administrar o país. Não se governa com sucesso com teses extremadas. Quem ganhar a eleição terá que buscar a moderação ou não terá sucesso no seu governo.

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