Míriam Leitão: O que não é direito nem nunca será

Após nomeação de ministros, três áreas correm grande risco de retrocesso no governo Bolsonaro: questão indígena, meio ambiente e relações exteriores.
Foto: José Cruz/Agência Brasil
Foto: José Cruz/Agência Brasil

Após nomeação de ministros, três áreas correm grande risco de retrocesso no governo Bolsonaro: questão indígena, meio ambiente e relações exteriores

O governo Bolsonaro pegou caminhos errados que podem levar o Brasil a perigosos retrocessos. A Funai vai ser entregue a uma ministra que acredita que a religião deve comandar as ações do Estado. Isso é tão perigoso quanto entregar para a Agricultura. O ministro do Meio Ambiente acha que o país não deveria gastar dinheiro enviando cientistas para as Conferências do Clima. O ministro das Relações Exteriores montou uma equipe de transição sem as mínimas qualificações para isso.

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, venceu a eleição defendendo posições de direita para todas as questões que envolvem meio ambiente, direitos humanos e a questão indígena. É natural que faça suas escolhas. Como é natural que os analistas alertem para os riscos que certas decisões radicais podem representar.

Nas primeiras entrevistas concedidas pelo futuro ministro Ricardo Salles, ele disse que há uma discussão acadêmica sobre se a razão do aquecimento global é geológica ou provocada pela ação humana. Não há mais. Isso foi superado. Hoje há um consenso científico internacional de que a causa geológica existe, mas leva milhões de anos, e o que está havendo é que, pela ação humana, esse processo está se acelerando perigosamente. Salles acha que esse é um assunto abstrato. Errado. Ele é concreto. O risco é de elevação do nível do mar, ondas de calor ou de frios extremos, desequilíbrios fatais.

Ricardo Salles disse que fez um bom trabalho em São Paulo, acabando com lixões e aumentando a proteção de nascentes. Isso é ótimo. Mas a visão que ele demonstra ter das negociações internacionais contra o clima são espantosamente equivocadas.

Ele acha que as metas de redução do desmatamento foram imposição internacional que restringe aos brasileiros o uso do território e que isso afeta a soberania. Foi o Brasil que ofereceu essas metas, dentro do esforço internacional. Ele criticou o fato de que há restrições ao uso da totalidade da terra de uma propriedade privada. Sim, há. E isso é lei brasileira, são as reservas legais com percentuais para cada bioma.

Ele critica a participação brasileira nas negociações do clima, dizendo que “nós estamos vendo funcionários viajando para tudo quanto é conferência do clima”. Esse esforço nasceu no Brasil na Rio 92 e será um erro monstruoso se o Brasil abrir mão do seu protagonismo nessa área e se isolar.

O futuro ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, também tem defendido o isolamento, como acabou de fazer com o Pacto Global de Migração. Ernesto Araújo nem demonstra ter autonomia na área. No Itamaraty, em reunião, disse que o país continuaria a ser sede da COP-25. Depois, avisou que tinha recebido ordens no sentido contrário. Mas seu pior erro está na equipe de transição que proporá uma reforma do Itamaraty. Seria como chamar a baixa oficialidade para reformar o Exército.

De todos os riscos, talvez o pior tenha sido o de entregar a questão indígena nas mãos da ministra de Direitos Humanos, Damares Alves, que acredita que a Igreja precisa governar o Brasil. Ela pode ter a fé que quiser, mas se tem uma visão de que “chegou a hora de a Igreja governar”, como informou Bernardo Mello Franco em sua coluna, reportando uma fala da pastora em 2016, passa a ser preocupante. E ela tem a ideia de que essa é uma missão divina. “Se a gente não ocupar o espaço, Deus vai cobrar.”

Há duas formas de ameaçar a cultura indígena, uma é a ocupação da sua terra, outra é a invasão de seu conjunto de crenças e valores. Desde os Jesuítas esse tem sido o conflito. Se alguém tem uma visão messiânica sobre o seu papel no contato com os indígenas não pode ocupar um posto tão estratégico. A ministra disse que saberá separar. Saberá? Suas palavras até o momento indicam o contrário. Quando ela diz que adoraria ficar em casa enquanto seu marido rala para lhe dar joias, ela não chega a ameaçar as mulheres com isso. Essa e outras exóticas declarações da ministra sobre o papel da mulher mostram que ela não viu sequer o século XX passar. Mas as mulheres continuarão avançando em todos os campos. Se achar que as religiões precisam ocupar as tribos será o começo do fim para muitas culturas.

Há posições de direita sobre vários assuntos e isso é tão natural quanto ter posições de esquerda. Mas há o atraso, o obscurantismo, o isolacionismo. O risco é que estejamos tomando essas trilhas.

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