Valorização de 13% do dólar sobre o real em quatro meses é um alerta de que dúvidas internas se somaram a incertezas com a economia mundial
Alguma coisa está fora da ordem no mercado cambial. A bolsa sobe, o país aprovou a reforma da Previdência, e há sinais de melhora de atividade. Porém o dólar passou de R$ 4,20 e bateu novo recorde em termos nominais. Ontem, o Banco Central divulgou que o déficit das contas externas foi de US$ 7,9 bilhões em outubro. A metodologia foi aperfeiçoada e isso elevou um pouco o déficit em transações correntes, mas o ritmo já era de alta. Está em 3% do PIB nos 12 meses terminados em outubro e foi de 2,67% nos 12 meses até setembro, número já revisto. Há fatores internacionais e outros internos para essa pressão no câmbio. A saída de capitais no país chegou a US$ 21 bilhões este ano e é a maior em mais de duas décadas.
O Brasil segue a tendência de várias economias emergentes, que estão tendo desvalorização de suas moedas. Mas o real está entre as que mais se desvalorizam. Cai menos que o peso da Argentina que tem baixo nível de reservas e passa por uma transição política, e o peso do Chile que vive uma turbulência social.
A cotação do dólar este ano se divide em dois momentos. Até meados de julho, a moeda americana vinha perdendo força em relação ao real. O câmbio caiu de R$ 3,88 no dia 31 de dezembro para R$ 3,72 em 18 de julho. Nesses últimos quatro meses, disparou para R$ 4,22 e obrigou o Banco Central brasileiro a vender reservas no mercado à vista, algo que não acontecia há mais de 10 anos. A valorização da moeda americana desde 18 de julho é de 13,4%. A do peso chileno, de 16,2%, e a do peso argentino, 40%.
No cenário externo, três eventos foram decisivos. Havia a expectativa de cortes mais agressivos de juros pelo Banco Central americano, mas o Fed vem cortando a taxa em doses mínimas. Isso mudou o valor do dólar no mundo inteiro. A guerra comercial entre os EUA e a China se intensificou a partir de agosto. Além disso, velhos temores voltaram a assombrar a América Latina, com mais intensidade no Chile, na Bolívia e Argentina.
— Pelo lado externo, o que se pode dizer é que aumentou a aversão ao risco, e isso afeta os emergentes de forma geral. A guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo pode provocar desaceleração do PIB mundial. E na América Latina, uma instabilidade política que não se via há muito tempo — explicou a economista-chefe do banco Ourinvest, Fernanda Consorte.
Aqui no Brasil, também houve uma série de frustrações. A reforma da Previdência foi aprovada, mas foi criada uma expectativa maior do que o fato. Em julho, quando o dólar atingiu as mínimas dos últimos meses, a aposta era que o Congresso voltaria do recesso e votaria rapidamente a previdência, para dar sequência à agenda. Mas a PEC 06 só foi aprovada no Senado em outubro, e bastante desidratada. Alguns ajustes foram reapresentados na chamada PEC Paralela — como a inclusão dos estados e municípios — mas o texto sofreu modificações e a base governista parece ter abandonado o projeto.
Com a reforma tributária, foi pior. O ex-secretário da Receita Marcos Cintra foi demitido, depois de perder meses estudando um projeto a partir da recriação de um imposto sobre transações financeiras. Agora, o governo fala em enviar uma proposta fatiada, em quatro etapas, e ainda não se sabe como e quando isso vai se encaixar com as duas PECs que tramitam no Congresso. Além disso, três PECs foram apresentadas, congestionando a pauta: PEC Emergencial, do Pacto Federativo e dos Fundos Públicos. Tudo deverá ficar para o ano que vem. A agenda de reformas parece confusa e sem foco.
— Temas políticos afetaram a visão do investidor externo. O presidente Bolsonaro brigou com o próprio partido em menos de um ano, e houve aquelas declarações durante a crise da Amazônia, inclusive contra a primeira-dama da França. O debate da segunda instância pode pôr esse assunto na frente dos temas econômicos — explicou Fernanda.
O resultado do leilão do pré-sal foi a maior evidência desse receio do investidor externo em relação ao Brasil. Com as mudanças feitas pelo BC, os dados de balanço de pagamentos ficaram mais precisos. O déficit em transações já vinha subindo. Pela nova metodologia ficou em 3% negativo, o que é alto para um país que mal entrou em recuperação. E há sempre muitos elementos nas oscilações cambiais do que apenas a economia.