Míriam Leitão: O pacto da greve

A greve dos caminhoneiros só pôde chegar ao ponto em que chegou com a conivência dos empresários da indústria de transportes. Tanto é verdade que um dos pedidos feitos é de que não houvesse reoneração da contribuição patronal do setor. Todos os outros serão reonerados. O governo pode ceder, nos impostos ou na política de preços, mas não se livra do fato de que o país está vulnerável a essa chantagem.
Foto: Marcelo Pinto/APlateia
Foto: Marcelo Pinto/APlateia

A greve dos caminhoneiros só pôde chegar ao ponto em que chegou com a conivência dos empresários da indústria de transportes. Tanto é verdade que um dos pedidos feitos é de que não houvesse reoneração da contribuição patronal do setor. Todos os outros serão reonerados. O governo pode ceder, nos impostos ou na política de preços, mas não se livra do fato de que o país está vulnerável a essa chantagem.

Na reunião de ontem no Palácio do Planalto, o representante dos grandes empresários de transportes deixou claro que concorda com o movimento e que o alvo é a mudança da política de preços da Petrobras, o repasse da alta do dólar e do petróleo. No Rio, a Petrobras decidiu com autonomia, sem qualquer ingerência, segundo se garante na empresa, a redução do preço do diesel. Um pouco antes da entrevista, o Planalto recebeu uma ligação da companhia informando o que fora decidido. A ação da estatal caiu. No after market dos Estados Unidos, chegou a desabar 11%, depois atenuou um pouco. O governo está preocupado e mobilizado para resolver o problema, porque sabe o efeito exponencial que pode ter.

Caminhões transportam 64% da carga do país e essa parcela tem se mantido nos últimos anos. O país teve décadas, e inúmeros planos de desenvolvimento, planejamentos estratégicos, Pacs, para começar a reverter o rodoviarismo. Nestes dias ficou claro que, além de ser uma irracionalidade ambiental e econômica, a dependência ao setor pode encurralar o governo, desorganizar a economia e transtornar a vida dos consumidores. O país precisa levar a sério o esforço de investir em outros modais.

Segundo Maurício Lima, sócio diretor do Instituto Ilos, Supply Chain, o transporte de cargas é feito 30% por autônomos. Outros 50% são de pequenas empresas subcontratadas pelas grandes empresas.

— O Brasil tem uma frota de dois milhões de caminhões, sendo 650 mil autônomos, ou cerca de 1/3. Existem 150 mil empresas de transporte. No período de expansão econômica, entre 2004 e 2012, os modais ferroviário e hidroviário não conseguiram crescer na mesma proporção. Por isso o modal rodoviário foi mais exigido e aumentou sua participação no transporte — diz o especialista.

As grandes empresas são apenas uma parte, mas por serem grandes são as que contratam as menores. Um setor tão pulverizado só conseguiria essa paralisação em tantos estados com a complacência da maioria dos grandes contratantes. Como há muita oferta de serviço de autônomos e pequenas empresas, se as grandes empresas não quisessem, eles poderiam romper contratos e só acertar com os que não aceitassem fazer parte da paralisação.

A decisão da Petrobras de reduzir o preço em 10% serve como sinal em momento de crise aguda. É um gesto de boa vontade, como diz o presidente da empresa, Pedro Parente, mas é temporário. O que querem os caminhoneiros? Controle de preços. Sobre a redução de impostos, a carga tributária é de fato alta demais. Representa metade do preço do diesel. Mas faz sentido que outros produtos paguem impostos, e gasolina e diesel, não? Dos tributos, o maior, que representa 30% do preço, é o ICMS, que tem ainda o defeito de fazer parte do problema: quanto mais aumenta o preço, mais se eleva o valor cobrado de imposto e mais sobe o preço. PIS/Cofins e Cide incidem com valor fixo.

Os preços em geral vão subir temporariamente, mas poderão baixar se a greve for interrompida. Por isso, economistas como Luís Otávio Leal e José Márcio Camargo acham que o impacto no PIB e mesmo na inflação será pontual. José Márcio acha que uma solução seria criar uma banda de imposto, que subisse quando o preço internacional caísse, e diminuísse em momentos como o atual.

José Augusto de Castro, da AEB, disse que a greve pode afetar a exportação porque o comprador pode cancelar a compra, em caso de atraso. Vão por rodovia 43% de todas as exportações para a Argentina.

Ontem, no terceiro dia de greve, o país já enfrentava o desabastecimento. Esse movimento é maior do que a paralisação de 1999 no governo Fernando Henrique. Mas claramente o que está acontecendo não é uma greve de caminhoneiros. É mais grave e mostra o risco que o país corre sendo tão vulnerável ao transporte rodoviário.

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