O senador Aécio Neves pediu dinheiro a um empresário que confessou comprar parlamentares e avisou que a encomenda teria que ser carregada por alguém “que a gente mata antes de fazer delação”. É difícil imaginar prova mais clara, e mortal, de obstrução de Justiça. O ex-governador Geraldo Alckmin recebeu em espécie, e não declarou, R$ 10 milhões da Odebrecht, mas responderá apenas na Justiça Eleitoral.
O ex-presidente do PSDB, ex-governador de Minas e ex-senador Eduardo Azeredo está nas raízes do primeiro escândalo de corrupção da nova safra. Ele fez em Minas o rascunho do que viria depois a ser o mensalão. A mesma engenharia financeira, o mesmo Marcos Valério, a mesma SMP&B, o mesmo Banco Rural. Foi condenado a 20 anos e o tempo corre contra a execução da pena. Ele tem abusado da patologia recursal brasileira, e com sucesso.
Aécio Neves está solto e exercendo seu mandato. O Supremo decidiu que o Senado poderia anular a ordem do próprio Supremo de suspensão do mandato. No caso de Alckmin, a decisão da Procuradoria-Geral da República de enviar o caso à Justiça Eleitoral porque há “só” caixa dois, e é “prática comum em caixa dois a entrega do numerário em espécie”, nas palavras do subprocurador-geral, revoga tudo que o país aprendeu com a Lava-Jato. Quase todos os acusados disseram que seus casos eram “só” de caixa dois, mas normalmente isso está conectado a outros delitos. Dinheiro em espécie entregue pela notória Odebrecht é indício de lavagem.
O inferno desse momento que o Brasil atravessa são os outros, para pegar emprestada a frase do filósofo Jean-Paul Sartre. São todos os outros que mostram como é persistente e longa a história de impunidade dos crimes de colarinho branco no Brasil. O mensalão e a Lava-Jato são uma quebra de paradigma. Podem ser o começo de um novo tempo, ou agravar ainda mais a sensação de uma Justiça seletiva.
Os tucanos sempre foram opostos aos petistas na economia, e adversários na arena política. Pois quando a denúncia chegou aos seus, se comportaram de forma idêntica. O PSDB era presidido por Eduardo Azeredo quando estourou o mensalão mineiro e continuou presidindo a legenda até o fim da gestão. Era presidido por Aécio Neves quando veio a público a conversa dele com o empresário Joesley Batista. Permaneceu presidente de fato. O PSDB fingiu afastá-lo, mas ele mostrou sua força no episódio em que forçou a saída do interino Tasso Jereissatti.
Há uma lista de outros, soltos por aí, porque seus inquéritos andam lentamente quando estão em tribunais superiores. O presidente Michel Temer conseguiu barrar duas denúncias contra ele e, diante da pressão contra seus amigos, o Planalto usa a surrada desculpa de que é denúncia “requentada”. Como se as suspeitas se dissolvessem por repetição.
A lentidão tem sido o outro nome da impunidade. O símbolo disso é Paulo Maluf. A chegada da Justiça foi tão demorada que o encontra octogenário e, como disse o Hospital Sírio-Libanês, com “confusão mental”. Ele faz parte da geração dos políticos que tinham certeza de que nada os alcançaria, se tivessem bons advogados especialistas na quase infinita estrada recursal. Agora a Justiça está se apressando. Mas não para todos.
A defesa do senador Aécio Neves diz que ele foi “vítima de uma situação forjada arquitetada por criminosos confessos que buscavam firmar um acordo de delação premiada fantástico”. Há pedaços de verdade aí, mas a tese é falsa. Joesley Batista é criminoso confesso e estava em busca de provas para fazer a delação com um pedido fantástico: o da inimputabilidade. O prêmio foi concedido e depois, felizmente, suspenso. O inferno para o senador é que ninguém o forçou a procurar o empresário, pedir dinheiro e dizer os absurdos que disse, como a ameaça de morte feita ao carregador de malas; seu primo, a propósito.
O líder do PSDB no Senado, Paulo Bauer, disse que a Justiça não pode fazer “compensação”, querendo dizer que não pode apertar o cerco sobre os tucanos porque prendeu o ex-presidente Lula. Não se trata de compensação, mas de Justiça. Todos os suspeitos precisam ser investigados, todos os condenados precisam cumprir suas penas. É assim em países onde funciona o império da lei.