O ex-presidente Lula fez ontem um último e desesperado gesto para demonstrar força. Deixou passar o prazo e cercou-se de militantes, enquanto nos bastidores negociava com a PF. Cada minuto corria contra os dois lados. Para a Justiça, porque estava sendo desrespeitada, e para ele, porque enfrentou riscos de piorar sua situação. Mas duas coisas estão certas sobre Lula: ficou inelegível e vai para a prisão.
O juiz Sergio Moro decidiu aguardar a negociação, mas nas suas mãos estava a possibilidade de decretar a prisão preventiva por descumprimento de ordem judicial. O primeiro efeito disso seria Lula não ser mais alcançável por benefício, nem por uma hipotética mudança de entendimento do Supremo sobre execução da pena. Outro seria perder o que havia conseguido, como a cela especial. Moro preferiu esperar uma saída negociada pela PF. Tecnicamente, Lula evitou o pior, porque seus advogados procuraram a Polícia Federal antes do prazo final e assim conseguiu-se evitar a caracterização de foragido.
Contudo, um ministro do STF me disse que Moro tem que tomar “decisões drásticas” para não desmoralizar a Justiça, caso o ex-presidente continue desrespeitando a ordem. Ao mesmo tempo, a Polícia Federal, que desde a manhã fizera o seu planejamento estratégico para a prisão, sabia que ir ao Sindicato dos Metalúrgicos seria cair numa armadilha e colocar terceiros em risco, por isso preferia negociar.
Lula está em situação pior do que parece. Essa é apenas a primeira das ações que responde. No fim de maio, começo de junho, o ex-presidente pode enfrentar nova condenação, desta vez no processo sobre a suposta propina da Odebrecht para a compra da sede do Instituto Lula e o uso do apartamento ao lado do dele, em São Bernardo. Serão ouvidos novamente, no dia 11, o empresário Marcelo Odebrecht e o executivo da empreiteira, Paulo Mello. Após a audiência, será aberto o prazo para as alegações finais. A sentença poderá sair em dois meses e ser dada até o fim de maio ou começo de junho, segundo fontes judiciais que acompanham o processo. Essa nova sentença não é a única que ronda o ex-presidente. Outros processos estão em andamento na Justiça de Brasília e no Paraná. A ação penal, na 13ª Vara, sobre o sítio de Atibaia, está em etapa muito inicial e as testemunhas da defesa ainda nem foram ouvidas.
O ex-presidente fez dessa longa espera de ontem o que ele sempre soube e gosta de fazer, transformar tudo em mobilização e comício. O simbolismo de esperar no Sindicato dos Metalúrgicos de onde saiu para a sua vida política, os apoiadores na rua, e os discursos que se sucediam são parte da natureza política do ex-presidente. Nada disso, no entanto, o salva da prisão.
O que levou o ex-presidente Lula à situação vivida ontem foi a soma de suas próprias escolhas. Suas relações com as empreiteiras, ao serem investigadas, geraram várias ações penais. Ao ser processado, ele optou por uma defesa inepta que confrontava o juiz Sergio Moro, como se ele fosse o inimigo. Isso foi desmontado quando a sentença de Moro foi confirmada no TRF-4. E, em seguida, a defesa não conseguiu reverte-la nos tribunais superiores.
Depois da fanfarra de ontem, virá a realidade: começará o amargo período do cárcere, que independentemente de ser em cela especial ou não, impõe a quem o vive a sensação de isolamento e de que o tempo não passa. Sua defesa busca todos os caminhos para tirá-lo dessa situação, mas eles estão cheios de obstáculos. Os advogados podem pedir habeas corpus ao STJ e ao STF. Cada corte já recebeu dois. O ministro Marco Aurélio recebeu um e o encaminhou à ministra Cármen Lúcia. Mas avisou que tentará apresentar, na quarta-feira, no plenário a liminar de ação declaratória de constitucionalidade. Isso se conseguir tempo, porque a pauta já tem dois habeas corpus. O de Antonio Palocci tem precedência porque é réu preso. O outro, não tem tanta urgência, porque é o de Paulo Maluf que já está em casa.
O país tem vivido dias de grande estresse da sua vida institucional. Por trás desse momento de tensão, é sempre bom lembrar, está um avanço da sociedade brasileira no combate ao difícil e persistente problema da corrupção.