Míriam Leitão: O desgaste de Bolsonaro

Desgaste da avaliação é natural, mas não é comum que aconteça tão rapidamente como no governo Bolsonaro.
Foto: Carolina Antunes/PR
Foto: Carolina Antunes/PR

Desgaste da avaliação é natural, mas não é comum que aconteça tão rapidamente como no governo Bolsonaro

Em apenas 144 dias de governo, o presidente Jair Bolsonaro atravessou uma importante linha de desgaste. Há mais pessoas achando que sua administração é ruim e péssima do que avaliando que é boa e ótima. É o presidente desde a redemocratização cuja popularidade caiu mais rapidamente no primeiro mandato. Interessante também notar que há uma quase unanimidade de que a relação dele com o presidente da Câmara deveria ser melhor, e a maioria considera que o presidente poderia ser flexível para que suas propostas passem no Congresso.

A pesquisa XP/Ipespe ouve mil pessoas, e por telefone. É metade da amostra do DataFolha, mas tem sido capaz de apontar as tendências do eleitorado. O governo deveria olhar com cuidado esses sinais, porque tem três anos e sete meses pela frente e muita necessidade de aprovar mudanças difíceis para que a economia saia do descaminho em que entrou.

Apenas 10% acham que a crise atual é culpa do presidente Bolsonaro. De forma justa, eles responsabilizam mandatos passados, principalmente os do PT, quando o país entrou em recessão e o desemprego passou a aumentar. Mas eram 5% na última pesquisa. Quanto mais o tempo passar, mais subirá a tendência de pôr na conta do atual governo o que estiver dando errado.

De fevereiro para maio, aumentou de 17% para 36% os que fazem avaliação negativa do governo Bolsonaro e caiu de 40% para 34% os que têm visão positiva. Os que consideram regular eram 32% e agora são 26%. Essa turma do meio está indo para a visão de que a administração é ruim ou péssima.

Há um número maior de brasileiros com expectativa positiva para o resto do mandato, ou seja, achando que esse tempo de dificuldades iniciais será superado. São 47% os que têm esperança de um desempenho melhor no tempo restante, mas eram 63% em janeiro. Hoje são 31% os pessimistas e eram 15% no começo do ano.

O desgaste é natural, mas não é comum que aconteça tão rapidamente, antes ainda de se completar os seis meses. Os estrategistas do governo deveriam pensar mais profundamente, e sem terceirizar a culpa, sobre o que está acontecendo para essa queda ser tão rápida. Há uma relação direta entre popularidade e capacidade de o governante atrair parlamentares para os seus projetos. Quando ela cai, há a lógica centrífuga no presidencialismo de coalizão: os deputados e senadores se afastam. E o caso recente mais perfeito disso foi o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, quando a inflação subiu rapidamente, a economia afundou na recessão, e em três meses ela chegou a 60% de rejeição. No primeiro mandato ela teve um recorde positivo nesta fase inicial: 47% achavam ótimo e bom o seu governo, segundo o Datafolha, e apenas 7% consideravam ruim e péssimo. Ela perdeu esse capital ao longo dos anos, foi reeleita, mas imediatamente caiu num vácuo. O PT passou a dizer que a ex-presidente foi vítima de golpe, mas deveria olhar com objetividade o que disseram os números de popularidade e da economia, e a relação desses dados negativos com os seus problemas no Congresso, para evitar, na eventualidade de voltarem ao poder no futuro, a repetição dos mesmos erros. A terceirização da culpa dá um conforto temporário, mas não muda o quadro.

Nesta pesquisa da XP/Ipespe o governo pode culpar a imprensa, mas isso não resolverá seu problema. A percepção das pessoas ouvidas é de que o noticiário está mais desfavorável: 56% acham isso, contra 45% na última pesquisa. A culpa é da notícia ou dos fatos? O governo criou problemas para si mesmo, teve uma agenda negativa, com essas brigas entre alas da administração que derrubaram um ministro e vários funcionários de segundo escalão, como os três presidentes do Inep. O presidente fez declarações polêmicas ou falsas, e seu grupo atacou políticos com os quais poderia fazer alianças. Ao todo, 48% acham que ele deveria flexibilizar suas posições para aprovar as medidas no Congresso. Bolsonaro tem bloqueado esse caminho quando inventa que negociar é aceitar a corrupção.

A maioria, 70% dos entrevistados, quer que o Brasil permaneça presidencialista, mas o eleitorado, como se sabe, nunca deu ao partido de qualquer governante a maioria das cadeiras no Congresso. Quem ocupa a Presidência precisa conquistar isso negociando a coalizão. E é exatamente o que Bolsonaro não faz.

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