Míriam Leitão: O desemprego e a propaganda

O mercado de trabalho enfrenta a maior crise da sua história, mas não espere que a equipe econômica faça análises técnicas e sóbrias sobre o momento atual.
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

O mercado de trabalho enfrenta a maior crise da sua história, mas não espere que a equipe econômica faça análises técnicas e sóbrias sobre o momento atual. O ministro Paulo Guedes e o secretário de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, têm aproveitado as coletivas do Caged para o autoelogio. É normal que se comemore a geração de empregos formais, mas pode ter havido subnotificação das demissões. Além disso, o IBGE conta outra história: desemprego recorde, precarização do trabalho e aumento do desalento. O país vive uma situação inusitada, mas já prevista pelos especialistas: criação de vagas com aumento do desemprego, ao mesmo tempo.

Existem três termômetros para se entender o mercado de trabalho brasileiro. A Pnad Contínua, a Pnad Covid, ambas medidas pelo IBGE, e o Caged, que mede o emprego formal. Isoladamente, nenhum deles é capaz de dizer o que está acontecendo. O ideal é que a equipe econômica fosse capaz de ter uma visão sóbria e ampla para formular políticas de saída da crise. Quem acompanhou a entrevista de quinta-feira com Paulo Guedes e Bruno Bianco teve que ouvir uma sucessão de frases feitas como “o Caged mostra que desde sempre o nosso presidente estava correto”, “o mercado de trabalho comprova recuperação em V” ou “criamos o maior programa de proteção do emprego do mundo”. Bom para palanque, constrangedor em um ministério técnico.

O Caged mostra que o país teve o melhor setembro da história na criação de empregos formais. Esse índice é feito com os avisos das empresas sobre contratações e demissões. Nos últimos três meses, houve mais contratações. Em julho (139 mil), agosto (244 mil) e setembro (313 mil). Ótimas notícias. Mas o que tem chamado atenção nos dados são os registros das demissões. Em plena pandemia, e na maior retração do PIB da história, a Secretaria de Trabalho diz que houve menos desligamentos de janeiro a setembro deste ano (11,17 milhões) do que no mesmo período do ano passado (11,65 milhões). O dado é, no mínimo, estranho.

O economista Daniel Duque, do Ibre/FGV, divulgou um estudo mostrando as “evidências da subnotificação de desligamentos do Caged”. Ele explica que a partir de abril houve uma forte queda no número de empresas que enviaram ao governo informações sobre o seu quadro de funcionários. A suspeita é que muitas delas tenham fechado as portas e deixado de notificar as demissões. Com isso, entraram no índice as vagas criadas pelas empresas em funcionamento, mas não as demissões de empresas quebradas. Para se ter uma ideia, até março havia 850 mil empresas informando seus dados para o Caged. Em maio, o número havia caído para 550 mil e em agosto marcava 610 mil.
— Uma empresa que fechou ou hibernou tem grande chance de ter realizado demissão sem reportar ao governo. O programa de proteção ao emprego, que reduziu jornada e salários sem que se pudesse demitir, também deve ter postergado cortes — explica Duque.

Questionada, a Secretaria diz que o Caged tem defasagens de informações e que as empresas ainda podem enviar os dados nos próximos meses.

Os dados da Pnad divulgada ontem, do trimestre junho-julho-agosto, são de 14,4% de taxa de desemprego. A maior da história. E existem outros dados preocupantes. Em relação ao trimestre anterior, terminado em maio, há 4,3 milhões a menos de pessoas na população ocupada, e 12 milhões a menos sobre o ano passado. Mesmo com esses dados assustadores, Duque enxerga sinais de melhora. Como a pesquisa do IBGE só considera desocupado o trabalhador que tentou achar emprego e não conseguiu, esse indicador não captou o pior momento da crise, quando todos estavam em casa, e agora também não consegue medir a recuperação, com a reabertura da economia. Já se esperava essa contradição de a taxa do desemprego aumentar exatamente quando as pessoas se sentirem mais confiantes a procurar emprego.

— A Pnad tem outro problema, que é o trimestre móvel. O dado de agosto carrega também números de junho e julho que foram piores. Então tirando esse efeito da conta, percebe-se que o mercado de trabalho está melhorando, o que já era esperado, com a queda do isolamento social — explicou.

Os sinais são trocados e difíceis de entender. O mercado de trabalho sofreu um baque na pandemia. Não é fácil medir o tamanho da queda. Há sutilezas nos indicadores que precisam ser olhados com atenção. O pior a fazer é tratar disso com atitude de propaganda. O importante são os fatos. Sempre eles.

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