Não há palavras que desatem os atos de Bolsonaro e de Ricardo Salles na área ambiental. O Brasil vai se sentar na reunião de hoje como vilão, quando poderia ser respeitado por ser o país que é: uma potência ambiental, dono da maior parte da maior floresta tropical, o G1 da biodiversidade. O presidente brasileiro prometerá aumentar a fiscalização mas, na verdade, ela está sendo desmontada. A carta dos servidores do Ibama mostra que eles estão sofrendo assédio. O ministro os impede de trabalhar. É também por cumprir seu dever que Alexandre Saraiva foi exonerado da Superintendência da Polícia Federal no Amazonas.
Ibama, ICMBio, Funai estão sob ataque do presidente e do ministro do Meio Ambiente. O INPE foi ameaçado. O projeto de Bolsonaro de interferir na Polícia Federal deu certo e a exoneração de Saraiva é prova cabal. Com esse histórico, Bolsonaro não poderá falar que vai aumentar as ações de comando e controle na região. Não será crível.
Uma alta autoridade do governo brasileiro foi a uma reunião com um grupo de embaixadores dos Estados Unidos e países europeus. Várias autoridades foram chamadas no último mês. O relato do que foi dito lá mostra que não adianta ter conversa para inglês ver.
– Para minha surpresa o tom dos embaixadores foi duríssimo. A gente tem que agir rápido, a narrativa de que eles destruíram as florestas deles, e nós, não, é muito ruim. Se a conversa for pedir dinheiro, não vai pra frente. É preciso pôr em duas páginas quais são os compromissos para os próximos dois anos. Tem que levar algo concreto. Essa é a única forma de apaziguar e virar essa página — afirmou a autoridade.
O governo brasileiro foi avisado. Pelos embaixadores, pelos gestores dos grandes fundos globais, pelos bancos privados brasileiros, pelas grandes empresas, pelo agronegócio exportador. Bolsonaro insiste em seu projeto e tem ajuda. Salles é a motosserra. Ele diariamente derruba uma pedaço do edifício regulatório brasileiro com portarias e instruções normativas. Usa o espaço infralegal para conspirar contra as leis ambientais do país. Exatamente como avisou que faria naquela famosa reunião ministerial. A instrução normativa que obriga o fiscal a submeter a multa que aplicou a um superior hierárquico foi apenas uma de inúmeras normas. O vice-presidente Hamilton Mourão tem sido usado como um biombo. Ele conversa, ouve, impressiona bem, mas é deixado de lado. E, quando cobrado por algum interlocutor, diz que não tem poderes.
Salles usa também o truque de se apropriar de termos para impressionar. Quando ele fala de “bioeconomia”, não está se referindo ao conceito desenvolvido por alguns especialistas, como o climatologista Carlos Nobre, para defender uma nova economia a partir da nossa rica biodiversidade. A “bioeconomia” que Salles quer é a dos madeireiros e garimpeiros ilegais.
Quando Bolsonaro falar de regularização fundiária, os governantes estrangeiros devem saber que ele está se referindo aos projetos de legalizar a grilagem, como os que já apresentou ao Congresso. Quando falar em apoio às populações indígenas, ele está se referindo ao projeto já enviado ao Congresso que permite mineração, exploração de petróleo e pecuária em terras indígenas.
Apesar de tudo, a sociedade brasileira tem encontrado seu caminho para falar com o mundo. A Carta dos Governadores é resultado de lenta costura entre os chefes de executivo estaduais, iniciada pelo governador Renato Casagrande, do Espírito Santo. Na carta, eles fazem valer o princípio federativo. Lembram que representam mais de 90% do território nacional, propõem aumentar a “ousadia das NDCs”, (as metas nacionais), e dizem que os estados possuem fundos e mecanismos criados para “responder à emergência climática”.
Sugerem uma parceria para deter o desmatamento e para restaurar. Lembram que será preciso “reflorestar uma área do tamanho do território dos Estados Unidos” e, completam, “O Brasil pode ampliar o verde da Terra não apenas na Amazônia, mas também em biomas de grande capacidade de captura de carbono, inestimável biodiversidade e relevância socioeconômica como o Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga, Pampa e o Pantanal”. Os governadores entenderam. A mudança climática é também a oportunidade da nova economia. É o “green new deal”, um tempo aberto pra nós.