O futuro governo está elaborando uma proposta de novo regime trabalhista, fora da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Ele seria apresentado como uma forma de contrato no qual só estarão garantidos os direitos constitucionais previstos no artigo 7º da Constituição, mas em que todos os outros itens serão negociados entre trabalhadores e empregadores.
Durante a campanha, o programa do PSL falava em “carteira verde e amarela”, mas sem entrar em detalhes. A ideia com a qual trabalham agora é a de oferecer uma nova forma de contrato que seria negociado diretamente entre as duas partes. Isso seria uma opção à CLT.
Foi isso que levou o presidente eleito, Jair Bolsonaro, a falar na quarta-feira em reunião com partidos políticos: “A legislação trabalhista, no que for possível, eu sei que está engessada no artigo 7º, mas ela precisa se aproximar da informalidade”. O artigo 7º garante o 13º salário, férias, seguro-desemprego, entre outros direitos.
A preocupação do governo com o mercado de trabalho é legítima. Esse é um grande problema. A dúvida é se esse é o remédio certo na atual conjuntura de extrema fragilidade dos trabalhadores. Apesar de o país ter superado a recessão, o emprego ainda não reagiu, e sob todos os aspectos a situação é preocupante. O número de desempregados é elevado, 12,3 milhões em outubro, último dado divulgado pela Pnad do IBGE. O ritmo de melhora é muito lento. Em relação ao mesmo período de 2017, a queda nesse indicador foi de apenas 400 mil.
O país até tem criado vagas. Nesse período de um ano — novembro de 2017 a outubro de 2018 — a população ocupada aumentou em 1,2 milhão de brasileiros. Mas o emprego é de baixa qualidade, em geral informal ou por conta própria. Pelo Caged, ou seja, o registro no Ministério do Trabalho dos que são demitidos e contratados com carteira, houve um aumento de 790 mil postos de janeiro a outubro, mas isso é pequeno para o mar de desempregados.
E há também um outro grupo de pessoas sem trabalho. Gente que nem procura porque não tem esperança de conseguir vaga agora e por isso sai do índice. A dimensão desse problema é captada na estatística de desemprego por desalento. São 4,7 milhões e saltaram 10% em um ano. Em uma crise desse tamanho, a liberdade de negociação dos termos do contrato é nenhuma. Ou seja, o empregador imporá suas condições. O presidente eleito falou em aumentar a informalidade. A expressão assusta porque a ideia é que haja uma redução da informalidade, até porque o trabalhador, nesse caso, não contribui para a Previdência. Além disso, o que o separa do trabalho precário é, algumas vezes, muito pouco.
O que os especialistas dizem, com razão, é que economias que têm regras mais flexíveis de contratação têm taxas de desempregos menores e se recuperam mais agilmente das crises. Isso se pôde ver após a crise financeira de 2008 que levou a um aumento do desemprego no mundo todo. Nos Estados Unidos, a recuperação do mercado de trabalho foi mais rápida e mais forte do que na Europa. E, dentro da Europa, o desemprego é menor na Alemanha, que já fez reformas trabalhistas, do que na França, que é mais refratária à mudança.
Não está detalhada ainda a proposta, mas a ideia é ter os dois tipos de contrato no mercado de trabalho: o da CLT e o do novo regime que seguirá as obrigações constitucionais que, aliás, são muitas e bem detalhadas. Décimo terceiro, férias, FGTS, adicional noturno, seguro-desemprego, irredutibilidade do salário, não discriminação por gênero, licenças maternidade e paternidade, reconhecimento da convenção coletiva, entre outros. Há muito a explicar, contudo. Nesse novo regime não valerá a CLT. É um aprofundamento da reforma de Temer que já admite que o negociado prevaleça sobre o legislado.
Outro grande problema do governo Bolsonaro será quantas mudanças urgentes ele tentará fazer no começo do seu mandato para aproveitar o momento da lua de mel. Ontem, o Ibope trouxe bons números para o futuro presidente. Como é normal, no período pós-eleitoral e antes da posse, a confiança é elevada e 75% acreditam que ele e sua equipe estão no caminho certo. Ao tomar posse, terá que escolher suas reformas, e a primeira da fila deveria ser a da Previdência.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)