Por Alvaro Gribel (interino)
A notícia de que o governo estuda acabar com a declaração simplificada do Imposto de Renda para financiar o Renda Cidadã já é um novo entrave na reforma tributária. Ontem, em audiência na Comissão Mista do Congresso, o secretário da Receita, José Barroso Tostes Neto, e a assessora especial do Ministério da Economia, Vanessa Canado, se recusaram a responder perguntas dos deputados e senadores que queriam saber detalhes da proposta. Se a Comissão já tinha dificuldades em avançar, ganhou mais um ponto de incerteza e discórdia.
“Vamos nos limitar a falar sobre os tributos sobre consumo”, justificou Vanessa Canado, referindo-se à primeira fase da proposta encaminhada pela equipe econômica há mais de dois meses. Ao mesmo tempo em que o governo não conclui o projeto, deixa vazar estudos para financiar o programa de assistência social com ideias que deveriam estar na reforma tributária.
A grande questão é: como financiar o Renda Cidadã? O governo tem três opções. Tira de alguém, aumenta tributos ou se financia no mercado, ampliando o déficit. Em cada uma delas, há consequências. Ampliar o déficit significa perder apoio do mercado, com disparada do dólar, queda da bolsa e encarecimento da dívida. Aumentar imposto, ou reduzir subsídios, vai mexer diretamente com o bolso das famílias ou das empresas. E fazer a consolidação de outros programas sociais nada mais é do que tirar de quem precisa para dar a quem também precisa. Ontem, como revelou O GLOBO, falou-se em cortar dos supersalários, o que demandaria comprar briga com a elite do funcionalismo.
Depois de encontro com o ministro Paulo Guedes, pela manhã, o relator do Orçamento, Márcio Bittar, prometeu para quarta-feira a divulgação da fórmula. Disse que será “dentro do teto”. Vindo de quem chamou de “hipócritas” os que criticaram a postergação do pagamento de precatórios, pode-se esperar qualquer coisa.
Na reforma tributária, ainda são muitas as discordâncias, segundo o secretário José Tostes. “Temos feito dezenas de reuniões com os estados, avançamos em alguns pontos, mas não conseguimos avançar em relação aos temas dos fundos, do comitê gestor, da transição para o novo tributo, imposto seletivo e o Simples”.
Em live semanal da Arko Advice, uma das consultorias mais ouvidas pelo mercado financeiro, o cientista político Murilo de Aragão brincou que o governo Jair Bolsonaro parece um carro velho, pois “faz muito barulho e anda pouco”. Sobre a reforma tributária, disse que ela “respira por aparelhos” e não vê possibilidade de aprovação de nenhum projeto relevante até a sucessão nas presidências da Câmara e do Senado, em fevereiro do ano que vem. Ao que tudo indica, o ano de 2020 já está perdido.
Ganha, mas não leva
Donald Trump é o candidato do mercado financeiro nas eleições dos EUA e sobre isso não há dúvidas. Ontem, após a saída do hospital, as bolsas subiram e o dólar se enfraqueceu no mundo, com aumento da confiança. Mas há investidores que já começam a ficar com a pulga atrás da orelha com a possibilidade de o presidente conseguir a reeleição, mas perder o comando das duas Casas. Hoje, os republicanos controlam o Senado mas desta vez a maioria pode ser democrata. Nesse caso, uma vitória de Joe Biden poderia ser bem recebida, pela maior chance de governabilidade, tendo o Congresso ao seu lado.
Baixo volume
Apesar da alta de 2,2% do Ibovespa, o volume de negócios continua baixo. Nos últimos 21 pregões, não chegou a R$ 20 bi, o que significa um clima de cautela. Ontem, mesmo com a valorização, foram negociados apenas R$ 17,8 bi em papéis. O risco de furar o teto fez voltar o temor de um novo rebaixamento do rating brasileiro no final do ano. Até a quinta-feira, última estatística disponível, os investidores estrangeiros retiraram R$ 88,27 bi da bolsa.
Sobrou para o café
A política ambiental do governo Bolsonaro põe sob desconfiança até quem não tem mais relação com o desmatamento. A ONG Rainforest Alliance Brasil, que certifica fazendas exportadoras de café com o selo sustentável, foi consultada por compradores europeus para saber se o setor cafeeiro tem derrubado florestas no Brasil. Se no passado o café foi o grande vilão, hoje esse papel está com a soja e a pecuária. “O café no Brasil não é hoje um problema de desmatamento. Primeiro que ocupa uma área relativamente pequena, depois porque está em áreas consolidadas há muito tempo”, disse Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas.