Míriam Leitão || Natureza do MP e abuso de autoridade

Políticos querem limitar o poder das investigações, e Bolsonaro quer um Ministério Público que seja o seu espelho e siga as suas ordens.
Foto: Antonio Augusto/Secom/PGR
Foto: Antonio Augusto/Secom/PGR

Políticos querem limitar o poder das investigações, e Bolsonaro quer um Ministério Público que seja o seu espelho e siga as suas ordens

O Congresso há muito tempo quer aprovar o projeto de abuso de autoridade e ficou esperando um momento da fraqueza da Lava-Jato. Conseguiu. Nenhuma autoridade pode estar acima da lei e todas devem ter limites, mas o projeto foi feito com o interesse direto de inibir as investigações que atingem os políticos. O ex procurador-geral da República Claudio Fonteles diz que não é necessária uma lei, porque o ordenamento jurídico atual é o suficiente. O procurador regional José Robalinho Cavalcanti acredita que a lei foi melhorada durante a tramitação, mesmo assim defende que sejam vetados alguns pontos.

Os excessos de procuradores e policiais têm que ser combatidos, evidentemente. O caso mais eloquente de que isso é necessário é o da investigação que envolveu o então reitor da Universidade de Santa Catarina Luiz Carlos Cancellier. Ele se matou depois de condução coercitiva e um interrogatório sobre supostas irregularidades. O grande problema é que os que redigiram e aprovaram o projeto, que agora vai para sanção presidencial, o fizeram em interesse próprio. O presidente Bolsonaro diz que foi elei topara combatera corrupção, mas considera excessiva qualquer investigação que envolva um dos integrantes da sua família. Ameaça reestruturara Receita Feder alporque ela teria feito uma “devassa” nas contas de seus familiares. Se tivesse feito, a ação dele seria vingança usando os poderes da Presidência. Se a Receita não fez, ele está ameaçando um dos órgãos do Estado. É abuso de poder.

Fiz um programa ontem na Globonews com Fonteles e Robalinho sobre abuso de autoridade e a função do Ministério Público.

— A grande pergunta é a seguinte: é necessário ter uma lei nesse sentido, de abuso de autoridade? Eu considero que esse projeto é inoportuno. Porque o nosso ordenamento jurídico já dispõe de mecanismos legais suficientes —diz o ex-PGR.

Robalinho avalia que a proposta original era muito pior:

—Um projeto de abuso de autoridade poderia até ser defensável, porque o que existe é de 1965, um alei feita de propósito para não funcionar. Mas a forma e o momento mostram que as forças políticas preferem se unir para tolhera atividade do Estado de perseguição criminal.

Outro defeito do projeto é que os tipos de abusos são propositadamente abertos, de definição subjetiva:

— O presidente da República tem falado tanto que é preciso dar mais segurança jurídica à ação policial, essa lei vai no sentido contrário —diz Robalinho.

A oportunidade da lei foi criada pelos erros da Lava-Jato. Perguntei aos dois se houve erro. Fonteles acha que sim, Robalinho diz que não. O ex-procurador-geral diz que se for verdade o que está sendo divulgado é grave:

—A condutado magistrado viola um dos predicados fundamentais da magistratura, que é a imparcialidade, a igualdade das partes no processo. Eu não posso privilegiar o meu colega em detrimento do defensor. Por isso, precisa haver uma apuração séria e rigorosa.

Robalinho afirma que o que tem sido divulgado está editado, e é parte de conversas obtidas ilegalmente. De qualquer maneira, ele diz que as conversas não ferem limites institucionais:

— O que quero dizer é que isso não ultrapassa os limites da normalidade. Juízes e procuradores sentam lado alado, audiência a audiência, às vezes por horas a fio. Isso está desde sempre no ordenamento jurídico.

Na sucessão na Procuradoria-Geral da República, os dois disseram que o presidente erra quando procura alguém que pensa como ele. O Ministério Público no Brasil tem poderes da magistratura. Os procuradores têm independência. O PGR é chefe do MP, mas não pode tirar a autonomia dos procuradores. Mesmo se o presidente conseguir alguém que acredite nas teses que ele defende em assuntos como índios, meio ambiente, minorias, o PGR não terá força para garantir que o MP seja um espelho do governo. Por isso, eles defendem que seja escolhido alguém da lista tríplice, que terá liderança sobre o Ministério Público.

— O PGR deve prestar contas a quem? Ao presidente da República? Jamais. Externamente ele presta contas à sociedade, a todas as instâncias que formatam a democracia —diz Claudio Fonteles.

Bolsonaro pensa agora até em deixar um interino para continuar buscando a pessoa que considera certa. Ele não terá o que quer: um Ministério Público homogêneo, que siga suas ordens.

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