Míriam Leitão: Moro no país das urgências

Moro deu entrevistas esclarecedoras, mostrou convergências com Bolsonaro, mas ainda há enigmas sobre como lidará com temas difíceis.
Foto: Lula Marques
Foto: Lula Marques

Moro deu entrevistas esclarecedoras, mostrou convergências com Bolsonaro, mas ainda há enigmas sobre como lidará com temas difíceis

Há uma enorme expectativa sobre como o novo ministro da Justiça e Segurança, Sergio Moro, vai lidar com questões inteiramente novas para ele, que vão dos índios às prisões, passando pela migração nas nossas fronteiras. Sobre os pontos polêmicos da agenda do presidente eleito, o futuro ministro já mostrou muitas convergências e algumas dissonâncias. Ontem, o Cade saiu da alçada dele, mas a lista do que ele terá que assumir é imensa.

Num governo que tem improvisado além do razoável na comunicação, e tropeçado demais na relação com a imprensa, Moro tomou a decisão correta, de dar, no primeiro momento, uma entrevista longa, organizada, clara e aberta a todos os veículos. Na entrevista do fim de semana, ao “Fantástico” ele esclareceu outros pontos das dúvidas levantadas pela ida dele para o governo Bolsonaro.

Nos dois momentos exibiu sua capacidade de pensar antes de falar, e de procurar palavras que arredondem as arestas. Mas não dá para contornar o incontornável. Disse que nunca viu de Bolsonaro “uma proposta de cunho discriminatório” contra minorias. Elas foram desrespeitadas em várias declarações do deputado. Ele foi bem explícito.

Nas entrevistas, Moro esclareceu suas convicções, para além da pauta sobre a qual ele sempre falou. Demonstrou que concorda que haja um reforço legal de proteção ao policial ou o militar nos confrontos com criminosos. Acha natural que o presidente eleito proponha a flexibilização da posse de armas já que defendeu isso em campanha, mas alertou para o risco de as armas servirem de suprimento para o crime. O futuro ministro disse que é favorável à redução da maioridade penal e do aumento do rigor na progressão de pena. Ele qualifica o que pensa. Diz que quem continua pertencendo a uma organização criminosa não deveria ter o benefício da redução da pena. E não concorda com a tipificação de movimentos sociais mais aguerridos como grupos terroristas, apesar de achar que não podem ser inimputáveis.

A grande pauta de Jair Bolsonaro jamais foi o combate à corrupção. Ele foi parlamentar de ideia centrada numa agenda de conservadorismo, político e de costumes, e de defesa do regime militar, mesmo dos seus piores erros. A luta anticorrupção é inclusão recente pela oportunidade aberta pela Lava-Jato, na qual ele surfou atrás de eleitores.

Moro entendeu o convite, como ele tem dito com clareza, como a oportunidade que se abriu para que ele salvasse a Lava-Jato, por assim dizer. “Passei os anos pensando que a mesa poderia ser virada a qualquer momento. Era uma realidade presente”, disse. De fato, não faltou desejo em Brasília de barrar a Lava-Jato, mas a operação sempre teve muito apoio da imprensa, da opinião pública e de estudiosos de diversas áreas. Existem muitas ideias já amadurecidas em debate da sociedade civil, por isso não será difícil fazer o pacote anticorrupção. A dificuldade dele será negociar com alguns dos partidos que estarão na base de apoio do governo.

Há inúmeras outras questões esperando por Moro e não há qualquer informação sobre o que ele pensa de algumas delas. Quando perguntado sobre índios, ele deu uma não resposta. O Brasil tem uma extraordinária diversidade étnica, com mais de 200 povos, a maioria preserva a sua língua original, há grande cobiça de fazendeiros, muitos deles grileiros, em avançar sobre terras indígenas. Tudo o que o presidente eleito falou até agora sobre índios revela espantoso desconhecimento da complexidade do tema e ideias que, se transformadas em política pública, terão efeitos desastrosos. Esse assunto caberá a Moro.

Na edição de domingo, este jornal trouxe reportagem do excelente jornalista Antônio Werneck com a lista dos vários barris de pólvora que passarão a integrar a agenda do futuro ministro: a guerra entre facções criminosas em 14 estados, o tráfico de drogas através de fronteiras porosas, rotas marítimas e aéreas do tráfico de armas pesadas, regras para o contato de presos com parentes, amigos e advogados, relação com os estados que são, no fim das contas, os responsáveis pela política de segurança pública. Quando houver rebeliões em presídios o assunto sempre cairá sobre o colo do ministro da Justiça e Segurança.

Sergio Moro tem grande capacidade de trabalho como já mostrou na 13ª Vara Federal. Precisará dessa competência para não se perder em assuntos tão díspares. Ele vai descobrir que não poderá apagar algumas agendas para focar apenas no que elegeu como sua missão. O Brasil é o país das muitas urgências.

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