Nova equipe econômica irá enfrentar fortes obstáculos na abertura comercial, mas o país precisa avançar nessa área
A ideia de abertura comercial no país enfrenta os mesmos desafios que a reforma tributária. Todos são a favor, até que se comece a discutir os detalhes. São vários os indicadores que sugerem que a economia brasileira é fechada, mas não existe consenso sobre a melhor forma de aumentar a nossa integração com o mundo. Quem já esteve no governo e sentou na cadeira responsável pelo assunto avisa: o tema não é apenas econômico. Envolve o direito internacional e exige muita negociação política.
A proposta do futuro ministro da área econômica Paulo Guedes é fazer uma nova abertura da economia. Isso é desejável por várias razões. Mas os especialistas alertam para alguns pontos. O governo eleito Jair Bolsonaro já ameaçou retirar o Brasil do Mercosul para ampliar os acordos bilaterais do país. O risco dessa estratégia, diz o especialista Welber Barral, que foi secretário de Comércio Exterior entre 2007 e 2011, é fazer a indústria nacional perder o seu principal cliente, que é a Argentina, maior compradora de produtos manufaturados brasileiros.
— O Mercosul é extremamente vantajoso para o Brasil, principalmente para o produto industrializado. Se a gente sair do bloco, vai ficar vendendo soja para a China. Não acho que vai acontecer. Existem formas de pressionar e flexibilizar as tarifas comuns do bloco. Os mecanismos já existem, não precisa sair — afirmou.
Barral diz que comércio externo envolve 30% economia, 30% direito internacional e 40% negociação política. Por isso, acha que a futura equipe econômica ainda vai enfrentar os desafios práticos de abrir a economia, depois que de fato assumir o governo:
— Se fizer abertura radical, tem custo social alto e custo político que te obriga a retroagir muito rápido. Não é factível, não consegue fazer. O que acontece é que a pressão política aumenta e depois volta tudo como era antes.
Ele cita como exemplo acordos que foram firmados pelo Brasil na área têxtil, dentro da OMC, e que depois foram derrubados pelo Congresso. Os setores industriais se organizam, pressionam as bancadas e conseguem impedir e atrasar a tramitação dos projetos. O grande problema da nossa abertura comercial, explica, é que o Brasil é extremamente competitivo na área agrícola, justamente o setor mais protegido em todo o mundo.
— Por que o Brasil tem dificuldade de fechar acordo com a União Europeia? Porque eles não querem abrir a parte agrícola. Então a gente sofre pela nossa competitividade na área que é a mais sensível no mundo. A mesma coisa acontece com o México, que o Brasil poderia fazer acordo bilateral por fora do Mercosul. A bancada agrícola mexicana trava a negociação no Senado — explicou.
A indústria brasileira diz que é a favor da redução das barreiras, mas alega que antes é preciso reduzir impostos, melhorar a infraestrutura e baratear o crédito, do contrário, não conseguirá competir. A pesquisadora Lia Valls, do Ibre/FGV, diz que, de fato, é preciso em paralelo atacar o Custo Brasil, mas acredita que o governo pode avançar na abertura com um cronograma claro de redução de tarifas, para que os setores tenham tempo para se adaptar:
— O Brasil, quando comparado a outros emergentes, é o único que praticamente manteve as mesmas tarifas médias de importação de 20 anos atrás. Nos últimos anos, houve aumento de regras de conteúdo local, que é uma forma de barreira comercial. O país apostou muito na Rodada Doha, que não avançou, e a valorização do real, nos anos 2000, de certa forma facilitou as importações e esfriou o assunto.
Lia cita três indicadores que sugerem que a economia brasileira é pouco integrada com o resto do mundo, na comparação com outros países similares. Nossa corrente de comércio em relação ao PIB é baixa, em torno de 25%, o percentual de importados dentro da cadeia da indústria de transformação também é pequena, em torno de 20%, e também é reduzida a participação de componentes importados nos produtos industrializados que o Brasil exporta.
Por inúmeros motivos, o país precisa avançar no projeto de abrir a sua economia e nada como um liberal, como o futuro ministro Paulo Guedes, para iniciar a tarefa. Ele precisará estar atento a todos os obstáculos e ao contexto internacional, que é de uma guerra comercial entre Estados Unidos e China, e que pode deflagrar uma onda protecionista no mundo. O momento é difícil, mas o Brasil já se atrasou demais.