O presidente da República gosta da tortura. Ele a defende, tem prazer em falar dela e fustigar as vítimas. Foi o que Jair Bolsonaro fez ontem, mais uma vez, com a ex-presidente Dilma Rousseff. Ela foi brutalmente torturada aos 22 anos, sobreviveu e construiu sua vida. E agora, aos 73 anos, ouve do chefe de governo do país palavras de deboche e ironia sobre o seu sofrimento. É desumano e, além disso, é crime.
Bolsonaro comete crimes reiterados na cara do país e das instituições. Tortura é crime hediondo e ele tem prazer em falar disso, sempre tentando pôr em dúvida a palavra da vítima. Ele exalta torturadores e os tem por heróis. Bolsonaro defende a ditadura e já foi para a rua, como presidente da República, defender o fechamento do Congresso e do Supremo.
O que faz o país? Nada. Ele permanece presidente e continua usufruindo da sua extensa impunidade. Ele não foi cassado, em 2016, quando no plenário da Câmara elogiou o torturador a quem chamou de o “terror de Dilma Rousseff”. Deveria ter sido. Foi o que eu escrevi na época.
É crime. Mas também é sadismo. O prazer de sentir a dor do outro, de lembrar ao outro o seu sofrimento em meio a gargalhadas. Dilma o chamou de sociopata. E ele é. Somos governados por um sociopata. Dilma o chamou de fascista. E ele é. Dilma o chamou de “cúmplice da tortura e da morte”. E é o que ele tem sido ao longo de sua vida e de sua presidência.
O Brasil quer olhar o futuro. Um país com tantos desafios e dores precisa olhar o futuro. Bolsonaro está preso a um passado cujo pior lado ele se compraz em lembrar. Ele não elogia a ditadura militar por um eventual acerto econômico ou obra de engenharia. Ele gosta é da brutalidade com que eram tratados os que se opunham a ela. É isso que Bolsonaro faz questão de lembrar.
Essa sociopatia é a mesma que ele tem demonstrado ao longo de toda essa pandemia. Ele brinca com a tortura dos anos 1970, da mesma forma como nunca demonstrou solidariedade a quem estava perdendo entes queridos para o coronavírus. Expôs ao país durante o ano inteiro as palavras da sua perversidade. O “e daí?”, o “eu não sou coveiro”, o “todos vão morrer um dia”. Foram inúmeras as demonstrações de desprezo pela vida humana.
São quase 200 mil mortos ao fim de nove meses. Doloroso tempo. Tempo de temer a morte, de se preocupar com parentes adoecidos, de se proteger do vírus, de tentar respirar. Tempo de médicos e enfermeiros lutarem sem trégua num esforço épico pela vida humana. Tempo de cientistas mergulharem em laboratório para conseguir em período recorde vacinas contra o mal.
O presidente do Brasil continuou no seu achincalhe. Sabotou todas as orientações médicas, ofendeu quem se protegia, promoveu a disseminação do vírus, espalhou mentiras, estimulou invasão de hospitais, tentou manipular estatísticas, aparelhou o Ministério da Saúde e a Anvisa. Agora, depois de longo padecimento, os brasileiros veem cidadãos de inúmeros países, inclusive vizinhos nossos, serem vacinados. Enquanto isso o presidente diz que “não dá bola” para vacina.
O Brasil está chegando ao final de um ano em que o mundo inteiro viveu uma assombração. Nós vivemos duas. Como todos os outros países, tivemos que lutar contra um inimigo invisível que tentava tirar de suas presas o ar dos pulmões. Mas tivemos também um presidente que tripudiou sobre a dor do país como um verdadeiro mensageiro da morte.
Dilma, a jovem que foi torturada e presa por mais de dois anos, chegou ao governo em 2011 e virou comandante em chefe das Forças Armadas. Nunca usou o cargo para perseguir os militares. A Comissão da Verdade foi uma exigência do país, e o que ela buscou foi a informação sonegada por tantas décadas. Outros países fizeram antes essa procura e foram mais duros com os torturadores. Dilma entregou aos brasileiros a Lei de Acesso à Informação, uma importante arma da cidadania. Todos os que leem esta coluna sabem o quanto divergi de muitas decisões do governo dela. Concordar ou discordar das administrações é o cotidiano do jornalista. O fundamental na vida, contudo, são os valores. O sentimento de empatia, de solidariedade, de compaixão, Bolsonaro não tem. E isso ele prova quando fala sobre o passado da ditadura ou sobre o presente da pandemia.