As queimadas destroem a floresta. Além disso, a fumaça tóxica invade pulmões e afeta a vida humana. O estudo divulgado hoje procurou medir isso com a ajuda de especialistas em saúde e qualidade do ar. Em agosto de 2019, três milhões de brasileiros foram expostos ao material particulado fino, extremamente nocivo. Em setembro, foram 4,5 milhões. Este ano o problema está aumentando. Destruir a floresta é insensatez por ser a perda de patrimônio para o lucro de criminosos, mas ainda há o risco de intoxicação pelo ar.
A Human Rights Watch, o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia fizeram juntos o estudo para identificar internações e atendimentos na rede de saúde pública na Amazônia como efeito das queimadas do ano passado. Houve pelo menos 2.195 internações devido a doenças respiratórias que foram atribuídas às queimadas. Dessas, 467 (21%) foram de bebês de zero a 12 meses e 1.080 foram de pessoas com mais de 60 anos. Ao todo ficaram 6.698 dias hospitalizados para tratar os efeitos dessa exposição à poluição das queimadas.
O esforço das organizações para identificar, medir, mostrar o impacto na população é enorme, mas não consegue quantificar completamente. Seus autores lembram no documento que acabaram de divulgar que muita gente não tem sequer acesso à rede hospitalar.
É mais pesado para os indígenas, porque afeta a sua saúde e sobrevivência, já que eles dependem dos produtos da floresta para comer e viver. Ontem mesmo publiquei no blog a notícia de que líderes indígenas Awá Guajá e Ka’apor em áudios e fotos enviados para o antropólogo Uirá Garcia, professor da Universidade Federal de São Paulo, relatam a invasão das terras indígenas por fazendeiros, madeireiros, estaqueiros, traficantes. Nas fotos se vê o gado pastando em área que era floresta. O fogo faz parte do ciclo do crime. Os grileiros invadem, tiram as melhores madeiras, queimam o resto, e depois preparam o pasto.
“O desmatamento e as queimadas subsequentes frequentemente ocorrem nos territórios indígenas ou em seu entorno, às vezes destruindo plantações e afetando o acesso a alimentos, plantas medicinais e caça” alerta o estudo das organizações HRW, IEPS e IPAM. Elas dizem também que em 2020 a crise pode ser ainda maior porque o desmatamento no primeiro semestre aumentou 25% em relação ao mesmo período do ano passado. “Em abril de 2020, as áreas desmatadas e não queimadas em 2019 somadas às recém desmatadas já totalizavam 4.509 quilômetros quadrados na Amazônia que poderiam ser queimados durante esta estação seca, ou seja, aproximadamente 451 campos de futebol”. Em junho, houve 20% a mais de focos de calor do que no ano passado; em julho, a alta foi de 28%.
O risco este ano é maior também porque as pessoas intoxicadas e que foram aos hospitais, os encontraram lotados de pacientes de Covid-19. Os pacientes ainda correm o risco de contrair o vírus. Nos que estão com a doença, a fumaça agrava o principal sintoma, a dificuldade de respirar.
As queimadas produzem uma mistura de poluentes tóxicos que fica no ar por semana: monóxido de carbono, dióxido de nitrogênio, carbono negro e marrom, precursores do ozônio. O pior é o material particulado conhecido como PM 2,5 que “penetra facilmente no pulmão e entra na corrente sanguínea permanecendo no corpo por meses após a exposição”. As crianças pequenas são particularmente vulneráveis, alerta o estudo. Esse “ar irrespirável”, como define o estudo, produz doenças crônicas e leva à morte prematura.
Ao fim da leitura, a pergunta que angustia é por que o Brasil aceita o roubo do patrimônio coletivo por um grupo de bandidos? Esse crime traz como efeito colateral a fumaça das queimadas que sufoca os moradores da Amazônia, onerando o sistema de saúde. Isso afeta principalmente as populações indígenas pela distância que eles estão de um posto de saúde. Depois do fogo vem o gado. Lideranças Awá e Ka’apor enviaram ao antropólogo Uirá Garcia um pedido de socorro e fotos do gado dentro de suas terras. Eles se sentem desamparados e ameaçados.
*Para o mestre Washington Novaes, com gratidão por sua luta incansável pelo meio ambiente do Brasil.
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