Um ministro da Economia não pode dizer que sabe o que fazer se a reforma da Previdência não for aprovada. Não deve considerar essa possibilidade
O dia de ontem foi de comemoração na economia. O pensamento do ministro Paulo Guedes é conhecido no mercado, mas agora ele o repete como tomador de decisões e avisa que a reforma da Previdência é o primeiro e o maior desafio. O ministro das Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque, falou em retomar o processo de privatização da Eletrobras, e Wilson Ferreira foi confirmado na presidência da estatal de energia. Era o que o mercado queria ouvir e isso fez disparar uma onda de otimismo. A bolsa bateu recorde e a ação da Eletrobras decolou.
Ao falar na sua posse no comando do novo e fortalecido Ministério da Economia, Paulo Guedes desfilou por quase uma hora com suas explicações para a história do mundo e do Brasil. O país, disse, vive sufocado pelo excesso de gastos públicos e esse é o centro do problema e por causa dele a economia respira “a falsa tranquilidade da estagnação econômica”.
Na hora de explicar como resolver, Guedes cometeu um deslize político. Disse que a reforma da Previdência será enviada, mas se não for aprovada será mandado o projeto de desindexação de despesas. Na verdade, as duas reformas são importantes, a previdenciária e a orçamentária. Um ministro da Economia não pode dizer que sabe o que fazer se a reforma da Previdência não for aprovada. Simplesmente não pode considerar essa possibilidade de derrota, porque ela seria desastrosa demais. Há a razão fiscal que a torna inexorável, mas há também o outro motivo que o ministro tratou com clareza meridiana:
— A Previdência é uma fábrica de desigualdades. Quem legisla tem as maiores aposentadorias, quem julga, também. O povo tem as menores —disse.
Esse é o motivo mais profundo pelo qual a reforma é fundamental. Ele não é o primeiro a mostrar a Previdência como geradora de desigualdades. O governo que encerrou seu tempo na terça-feira também bateu nesta tecla. Inutilmente. Portanto, é preciso mais e melhores dados e argumentos porque esta é uma causa fundamental para o país. Que Paulo Guedes se volte com essa retórica e os números para convencer primeiro o próprio governo de que ela é necessária para o equilíbrio fiscal e para o combate às desigualdades na distribuição de dinheiro público.
No discurso de ontem, Paulo Guedes, na verdade, propôs, além da reforma da Previdência, um programa com três “D”: desvinculação das receitas, desindexação das despesas, descentralização. Ele erra quando fala de alguns projetos como se fossem alternativos a outros. São complementares:
— O bonito é que se der errado pode dar certo. Se não aprovar a reforma, a classe política pode dar um passo à frente e assumir o Orçamento.
O que ele quer dizer é que se as receitas não forem carimbadas, se não estiverem vinculadas nem foram corrigidas pela inflação passada, o Congresso terá mais poderes porque poderá verdadeiramente elaborar a peça orçamentária. Parece lógico, mas não é assim que a política costuma entender os fatos. Será muito mais difícil do que ele imagina convencer o Congresso dessas mudanças. Há 30 anos o legislativo engessa o Orçamento achando que assim garante o dinheiro para as áreas prioritárias. Como agora dizer que ele deve quebrar o gesso para ser mais forte?
Paulo Guedes apresentou a sua tese conhecida de que tudo o que houve nos últimos 30 anos foi tocado pelo mesmo grupo político. Seria a social-democracia, que agora será substituída pela liberal-democracia. Os rótulos não explicam complexidades. Não se pode dizer que foram semelhantes as políticas econômicas de Pedro Malan e de Guido Mantega, só para citar dois polos bem diferentes entre si. Os liberais que ele lidera tentarão agora fazer reformas que estiveram no projeto de muitos dos seus antecessores no cargo, como Joaquim Levy.
Logo depois de o ministro Paulo Guedes explicar o seu projeto econômico, cheio de desafios concretos, o ministro Ernesto Araújo apresentou no Itamaraty o seu delírio contra os inimigos imaginários. O problema do embaixador Araújo é que ele tem uma visão de mundo bem específica, bem idiossincrática, e a apresenta como sendo a do país. Para ele, o Brasil agora se liberta do globalismo, na opinião dele nosso maior inimigo. Nestas primeiras horas já é possível dizer que o problema do governo Bolsonaro é que ele gasta tempo demais esbravejando contra inimigos inexistentes.