Indulto com desconto de 80% da pena beneficiará acusados de corrupção e irá diminuir qualquer interesse em delação premiada
O Supremo se encaminha para aprovar o indulto do presidente Temer de 2017. Isso se conclui do tom dos apartes ao voto do ministro Alexandre de Moraes que considerou improcedente a ação da Procuradoria-Geral da República contra o decreto de Temer. O ministro relator Luís Roberto Barroso fez um vigoroso voto a favor da ação e, portanto, contra o indulto. “Esse decreto esvazia o esforço da sociedade e das instituições” no momento em que “travam batalha contra a corrupção”.
Duas teses se confrontaram. Barroso disse que o presidente exorbitou de suas atribuições porque fez uma redução de pena maior do que existe no sistema penal. Alexandre de Moraes acha que o indulto é direito do presidente e não faz parte da política criminal, mas sim dos freios e contrapesos entre os poderes da República.
Barroso argumentou que vários países estão abolindo o indulto coletivo, como Alemanha, Estados Unidos, Reino Unido, Espanha, Itália, França e Portugal. O Brasil vai no sentido contrário. O benefício tem se ampliado e para condenados apenas cada vez maiores. Do governo Sarney ao governo Dilma, a exigência era o cumprimento de um terço da pena. Mas no período Sarney só tinham direito os condenados a no máximo quatro anos. Esse limite foi subindo e chegou a 12 anos no período Dilma. Temer diminui upara 20% a exigência de cumprimento depena e acabou com o limite de anos de condenação para ser beneficiado, além de perdoar as multas. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) havia recomendado a Temer que excluísse os crimes de corrupção. Ele não excluiu.
Alexandre Moraes era ministro da Justiça em 2016 e fez a mesma recomendação ao presidente Temer, que tirasse do decreto os crimes contra a administração pública. O motivo dessa orientação, como foi dito pelo CNPCP, era o “atual momento de luta contra a corrupção.”
No voto em que divergiu do relator, Alexandre de Moraes disse que o indulto é uma “realidade constitucional”, portanto, não estava sendo julgado se o presidente tem ou não essa prerrogativa. O STF pode dizer se é constitucional ou não, mas não pode corrigir o decreto presidencial porque aí estaria legislando:
— É ato privativo do presidente da República. Podemos gostar ou não gostar.
O que na verdade estava em jogo era o futuro da Lava-Jato e não que poderes tem o presidente da República. Um desconto de 80% da pena vai alcançar alguns dos presos por corrupção. Ou agora ou no próximo decreto. Além disso, pode diminuir qualquer interesse em delações premiadas, porque bastaria esperar o indulto de Natal. E esta é a luta do momento: a que se trava contra a corrupção, como lembrou o ministro Barroso: “Corrupção é crime violento.”
O ministro Celso de Mello, em aparte a Alexandre Moraes — no qual demonstrou concordância com vários pontos dos seus argumentos — contou que em 1985, quando ele estava na Casa Civil, aconselhou o presidente José Sarney no decreto do indulto. Naquela ocasião, o decreto excluiu os crimes contra a economia popular. Era época da luta contra a inflação. Cada tempo, sua batalha.
Os sinais dados pelos ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowsky, Marco Aurélio e até Celso de Mello foram de que concordam com o todo, ou pelo menos em parte, das teses de Alexandre de Moraes. A conferir. Eles ainda não votaram. Vários argumentos foram arrolados, desde as raízes históricas desse poder presidencial até a tese de que desta forma se combate a superlotação dos presídios. O mais curioso foi o que disse Lewandowski. Na semana em que o presidente Temer sancionou o aumento dos salários dos juízes, ele argumentou que existe uma razão fiscal para o indulto: custa caro manter os presos na cadeia.
Houve tempo para uma alfinetada do ministro Edson Fachin. Ele ponderou que se o indulto é privativo do presidente e não pode ser corrigido pelo Judiciário, por que a nomeação de um ministro pode ser impedida? Era uma referência ao caso da nomeação de Lula para a Casa Civil, que foi impedida por uma liminar do ministro Gilmar Mendes. No momento final da sessão, Barroso perguntou a Celso de Mello se o indulto continuaria sendo constitucional se a redução da pena fosse para 10% ou 1% da pena. Não houve resposta. A prerrogativa do presidente é ilimitada? Eis a questão que permanece no ar.