Míriam Leitão: Improvisos e falta de comando

Falta um plano e uma direção ao governo, que tem improvisado. A confusão da MP do contrato de trabalho foi mais uma prova disso.
Foto: Carolina Antunes/PR
Foto: Carolina Antunes/PR

Falta um plano e uma direção ao governo, que tem improvisado. A confusão da MP do contrato de trabalho foi mais uma prova disso

O Ministério da Economia acha que a ajuda real à economia pode chegar até a R$ 130 bilhões. Como houve uma queda forte de juros, o Tesouro está gastando menos este ano no pagamento aos detentores de títulos públicos. Portanto, o governo poderia na prática aumentar as despesas nesse valor. Mas falta um plano e uma direção. O governo tem improvisado e a confusão da MP do contrato de trabalho foi apenas uma prova disso. A ideia de jogar sobre o trabalhador a conta do ajuste foi totalmente sem sentido. O presidente Bolsonaro tentou defender a MP e teve que recuar.

Sobre o espaço para gastar nessa crise, uma fonte da área econômica avalia que o relevante é o déficit nominal, aquela conta que inclui o custo dos juros, e não o resultado primário para o qual todos olham. Em vez dos R$ 124 bilhões de reais de déficit, o importante seria o déficit nominal, que tem caído. Era 7% do PIB em 2018 e caiu no ano passado para 5,9%. Em 2020 o Tesouro pagará R$ 120 bi a R$ 130 bi a menos com a queda da Selic.

Mas se há espaço fiscal, faltou sensibilidade social na medida do emprego. De manhã, o próprio presidente Bolsonaro elogiou no twitter a MP. O secretário Bruno Bianco, de Previdência e Trabalho, disse que estava sendo preparada uma segunda Medida Provisória que regulamentaria o acesso ao seguro-desemprego por parte desses trabalhadores, além de um percentual do salário a ser pago pelo governo. Quem acompanhou as discussões no fim de semana acha que houve atropelo e confusão. Era para ser uma medida que aliviasse as empresas mas mantivesse os empregos, ainda que com salários menores, e acabou sendo uma MP que dava tudo ao empregador e fragilizava ainda mais o trabalhador. “Do jeito que está não vai ficar”, esse foi o recado que o Congresso mandou para o presidente. E ele revogou o artigo 16.

A confusão é decorrência direta de o governo ter demorado a entender a gravidade da crise. Por estar em negação, e mais preocupado com a luta política, o presidente se atrasou em todas as medidas e isso se refletiu também na equipe econômica. Em vez de conduzir, o governo tem sido conduzido pelos fatos. Os governadores enviaram cartas, a associação dos prefeitos também e o presidente respondia em entrevistas agressivas aos gestores estaduais ou em ataques via twitter. Bolsonaro nessa crise demonstrou não ter a menor noção do seu papel de presidente da República.

Ontem, aconselhado internamente a buscar o caminho do diálogo, o presidente acabou anunciando um pacote de ajuda aos governos estaduais. Era o que ele tinha que ter feito desde o começo. Mas quando o presidente anunciou que estava suspenso o pagamento de juros da dívida dos estados, pareceu mais uma rendição. O governo federal foi empurrado pela liminar do ministro Alexandre de Moraes no fim de semana. Por ela, o governo de São Paulo deixou de recolher por mês o volume de R$ 1,2 bi para o Tesouro, para direcionar o dinheiro para a Saúde.

Com essa liminar na Justiça, não houve como a União fazer outra coisa a não ser estender a todos os outros entes da federação. O governo deveria ter desde o começo liderado esse processo até para estabelecer critérios e prazos e preservar, para o futuro, o ajuste estrutural. Sem diálogo com os governadores e acusando alguns deles de estarem provocando uma crise econômica, o presidente acabou ontem oferecendo tardiamente o que em grande parte já havia sido conseguido.

Os especialistas acham que o pacote ajudará e que as medidas são boas. Quando se fala de R$ 88 bilhões, não é exatamente esse o valor que sairá dos cofres. Uma parte é dívida que os estados ficarão sem pagar por seis meses ao Tesouro e aos bancos públicos. Mas ela depois será quitada. Como a arrecadação vai cair, o governo dará uma garantia R$ 16 bi para manutenção dos fundos de participação. Outros R$ 40 bilhões eram de dívidas que já vinham sendo negociadas dentro do plano Mansueto.

Os números parecem muito grandes, mas quando se olha medida por medida a quantia disponibilizada é menor do que o anunciado.

Há sempre dupla contagem, como o do dinheiro que vai de uma caixa para outra. Exemplo: esses R$ 20 bilhões do PIS-Pasep transferidos para o FGTS. Mas no pacote de ontem para os estados, anunciado atabalhoadamente via twitter pelo presidente, há ideias novas, dinheiro novo e algumas saídas criativas.

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