Míriam Leitão: Ideia de Bolsonaro é inconstitucional

O que pensam sobre as falas de Bolsonaro um ministro do Supremo, um procurador do MPF e um general de alto escalão.
Foto: Reprodução
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O que pensam sobre as falas de Bolsonaro um ministro do Supremo, um procurador do MPF e um general de alto escalão

A proposta do presidente Jair Bolsonaro de armar a população, na radicalidade que ele defendeu na reunião, se posta em prática, permitiria a formação de grupos armados, milícias, como há na Venezuela, e até uma guerra civil. O mais impressionante era que os oficiais, inclusive um integrante do Alto Comando, na ativa, estivessem vendo isso sem reagir. É inconstitucional a proposta do presidente. O Estado tem o monopólio da força, e ele é garantido pelas Forças Armadas. Bolsonaro quer que pessoas armadas saiam de casa para desrespeitar leis e determinações das autoridades.

Um ministro do Supremo com quem eu conversei ontem considera que essa é a parte mais relevante da reunião, não apenas por ser claramente inconstitucional, mas porque já há precedentes:

— Tem aquele fato anterior de revogação das portarias que permitiam a rastreabilidade de armas, balas e munições de uso exclusivo do Exército. Eles substituíram inclusive o responsável pelas portarias. Se você flexibiliza a rastreabilidade você beneficia os milicianos e grupos marginais. Essa é uma questão que precisa ser olhada com atenção. Já há uma ação do PDT no Supremo.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) tinha que tomar alguma providência, na opinião desse ministro.

Um general que eu ouvi acredita que as instituições impedirão que o presidente execute esse seu projeto armamentista. Disse que o presidente não tem o poder de armar a população, porque a legislação não permite, e ele não teria o apoio necessário no Congresso para mudar a lei. O militar acha que o Brasil não tem essa cultura, a não ser “grupos restritos e os marginais”.

— Assim, quando ouço esses arroubos vejo apenas como uma figura de retórica — disse o general, que tem posição de destaque no governo.

O presidente estava naquela reunião estimulando, na minha opinião, um conflito armado dentro do país, a desobediência armada às ordens das autoridades estaduais. Isso pode ser o começo de algo muito perigoso. Na Venezuela, o coronel Hugo Chávez fez exatamente isso para se perpetuar no poder. Armou grupos, os círculos bolivarianos, inicialmente com o argumento de defender a “revolução” que ele dizia representar, depois outros grupos paramilitares foram sendo formados. Hoje, há mais “soldados” nesse exército paralelo do que no oficial. Por outro lado, o chavismo fez uma simbiose com as Forças Armadas, militarizando o governo e dividindo o poder com os oficiais.

Em seguida, enfraqueceu as instituições, como Congresso e Judiciário, e perseguiu a imprensa. O Brasil, no governo Bolsonaro, faz um ensaio claro na mesma direção do chavismo que demoliu a Venezuela. Naquela reunião do dia 22 de abril, o país redescobre, graças à decisão do ministro Celso de Mello, do que é feito o governo. Lá se viu de tudo, desde ministros pedindo prisões de autoridades, ameaças do presidente a quem falasse com a imprensa, até o estímulo à reação armada contra a ordem das autoridades.

Isso causou espanto em integrantes de outros poderes, mas é crescente a impressão de que o procurador-geral da República, Augusto Aras, tentará arquivar o inquérito que investiga se houve tentativa de interferência na Polícia Federal. Entre os meus interlocutores, tenho ouvido que o fato ficou disperso entre as muitas falas do presidente. Um procurador do alto escalão do MPF, no entanto, me disse ontem que é evidente que houve crime naquela reunião. O ponto do ex-ministro Sergio Moro estaria provado naquela fala, recheada de palavrões, em que ele diz que vai trocar sim “o pessoal da segurança nossa” no Rio. Ninguém honestamente pode confundir com a segurança pessoal, pelo contexto, e porque ele fala em proteger filhos e amigos. “Se não puder trocar, troca o chefe dele. Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro e ponto final.” E ele de fato trocou o diretor da PF no dia seguinte para mudar o superintendente no Rio. Ponto final. Era isso que ele queria. Se Aras não quiser ver, é porque não quer fazer seu papel institucional. Perguntei ao procurador que eu ouvi que crime estaria caracterizado nessa fala. “Advocacia administrativa, pelo menos.”

É diante deste fato que o país está: o presidente cometeu crime e faz ameaças à Constituição numa reunião ministerial. Ignorar isso é flertar com o abismo.

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