Míriam Leitão: Haddad em busca da identidade

Haddad se distancia de Lula e chega até a elogiar o sistema americano em que ex-presidentes se afastam da política.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Haddad se distancia de Lula e chega até a elogiar o sistema americano em que ex-presidentes se afastam da política

O candidato do PT, Fernando Haddad, chega nos dias finais da campanha mais Haddad e menos Lula. Na sabatina, ele elogiou o sistema americano em que o presidente ao fim do mandato sai da política para contribuir de outra forma. Essa não foi a escolha feita por Lula. Haddad fez gestos em direção aos adversários que não chegaram ao segundo turno, demonstrou segurança na sua linha de raciocínio que desenha um PT mais aberto na política. Na economia, contudo, ainda falta um longo caminho.

Haddad cometeu o erro de repetir a informação que recebera, sem fazer uma conta simples: em 1969, o general Hamilton Mourão era um adolescente, não podia, portanto, ser torturador. Para criticar Mourão, bastaria a Haddad lembrar a fala do próprio general, vice de Bolsonaro, que defendeu em entrevista à Globonews o coronel Brilhante Ustra, definido como seu herói, mesmo diante do fato de que 47 pessoas foram mortas dentro do DOI-Codi no período em que o coronel o comandava. “Heróis matam”, disse. Com essas palavras de Mourão, Haddad poderia ter defendido seu ponto de vista de que a chapa do seu oponente representa “o rebotalho da ditadura”, “os porões”. Usou adjetivos fortes para definir Jair Bolsonaro: “bárbaro”, “um bicho”, “um tolo”, “uma pessoa vazia”, “soldadinho de araque”, “fascista”.

Na entrevista ao GLOBO, o candidato do PT disse que preparou pessoalmente a proposta da segurança. Ele propõe dobrar o efetivo da Polícia Federal, ampliar seu poder no combate ao crime, dar mais foco às polícias, liberar os estados de algumas funções e combater a violência usando dados:

— É a inteligência que vai vencer o crime. Tentar reduzir a violência armando as pessoas só vai aumentar as mortes.

Haddad disse que a proposta de Jair Bolsonaro para a violência é vazia, é ele dizendo que “vai endurecer”, sem explicar o que seja isso. Lembrou que em 27 anos como deputado não fez nada pela segurança.

Na sua visão dos fatos, o fenômeno Bolsonaro é como uma queda de avião, acontece por várias causas. Na relação que faz estão as fakenews, a transformação de púlpitos em palanques e o “Bispo Macedo usando uma concessão pública para promover um candidato”.

Haddad se definiu como o petista mais bem relacionado com os tucanos. “Eu já fui a público para defender tucano”. E ali na entrevista defendeu Geraldo Alckmin. Em determinados momentos, ele soa professoral como certos tucanos, parecendo mais fazer análise dos fatos que política.

A explicação que ele dá para a trajetória do PT, ou os acontecimentos recentes, deixa muitos espaços em branco. Ele disse que as elites reagiram à criação do PT por ele ser um partido de massa de esquerda que nasceu contra o autoritarismo da direita e da esquerda. Isso não conversa, por exemplo, com o aumento do subsídio e das transferências para as grandes empresas que aconteceu nos governos do PT. Ele diz que está fazendo autocrítica, e passa superficialmente sobre alguns erros do governo Dilma. Diz que sua crítica à Lava-Jato é apenas a alguns erros cometidos contra Lula, mas o partido ainda ontem postou no site da campanha: “Lula, preso político há 200 dias”. Ora, se for isso, não temos democracia.

Haddad explorou bem, na entrevista, a contraposição entre ele, que se define como “pessoa do diálogo”, e a defesa do autoritarismo feita pelo seu adversário, estabelecendo a clivagem democracia contra ditadura. Explicou pouco a agenda social que tem apoio para além do petismo. Hoje, Haddad recebe voto de não petistas que rejeitam a defesa que Bolsonaro faz do regime militar ou que têm afinidade com a pauta de combate às injustiças sociais e de proteção ao meio ambiente. “Me causa repulsa a desigualdade desse país”, disse, mas não desenvolveu o tema, no qual ele tem argumentos de sobra.

O que falta a Haddad entender é que não se combate desigualdades sem equilíbrio fiscal. O erro maior do PT não foi Dilma ter tomado “medidas não consistentes”, como ele definiu, seja lá o que for isso. Mas ter aberto um rombo nas finanças do país, ter elevado a inflação a 10%, ter provocado a recessão. Isso desfez parte do trabalho de inclusão do próprio PT. O partido ainda não entendeu que só em solo firme se constrói um país mais justo.

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