Guerra comercial entre China e EUA pode tirar 2 pontos do PIB mundial em 2019 e fazer o comércio cair 17,5%, estima o diretor-geral da OMC
O comércio mundial pode cair 17,5% se as medidas dos Estados Unidos e da China forem implementadas, diz o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), embaixador Roberto Azevêdo, e isso levaria a uma redução de dois pontos percentuais no ritmo de crescimento mundial. A América Latina perderia meio por cento, mas não por estar mais protegida, mas porque as economias da região, principalmente a brasileira, são ainda fechadas. Essa avaliação Azevêdo fez numa entrevista que me concedeu sobre a guerra comercial.
— É difícil dizer que não estamos em guerra comercial. Se não é guerra, muitos tiros foram disparados. Temos que conviver com o fato de que é uma escalada, e que não dá sinais de arrefecimento. E isso é muito preocupante — afirmou o embaixador
A OMC tem feito cálculos do quanto isso impactará o comércio global e a economia do mundo, mas eles precisam sempre ser refeitos porque o conflito está se agravando. A economia mundial deixaria de crescer 2%. O maior impacto seria na China, que perderia em torno de 3,5% de sua taxa de crescimento, e nos Estados Unidos, 2,2%:
— O efeito dominó não é novidade. Isso já esperávamos, mas infelizmente esse foi o caminho adotado por algumas das principais economias do mundo.
Esta semana, o governo Donald Trump anunciou aumento de tarifas contra exportações chinesas no valor de US$ 200 bilhões, e a China respondeu com a elevação de barreiras a exportações americanas no valor de US$ 60 bilhões. Esses dados que o embaixador tem são calculados sem contar com os últimos tiros dessa guerra. Portanto, o efeito pode ser pior.
O embaixador dá alguns dados que mostram a dimensão do efeito desse conflito entre Estados Unidos e China:
— Cada produto e cada setor têm uma cadeia de valor distribuída no mundo inteiro e cada cadeia tem a sua lógica. Dois terços dos produtos que são vendidos no mundo são hoje fabricados em pelo menos dois países.
Ou seja, quando a China deixa de exportar para os Estados Unidos — e seu volume de vendas é enorme, de US$ 500 bilhões — vários países podem estar sendo afetados. E vice-versa:
— Estive na fábrica da Rolls-Royce e a turbina tinha componentes de 49 países. Então se a empresa não vende, 49 países são afetados. Hoje em dia, quando se cria uma barreira ao comércio, é como se colocasse uma parede no meio de uma fábrica. É preciso reestruturar tudo na fábrica para contornar a barreira. Isso significa custos de produção, ineficiência, e o produto vai ficar mais caro.
Esta semana o secretário americano de Comércio, Wilbur Ross, disse à rede de televisão CNBC que o consumidor americano não perceberia, porque são milhares de produtos e o efeito se espalharia. O jornal “New York Times” considera no entanto que não há possibilidade de haver uma guerra comercial sem dor e alertou para o risco inflacionário. O embaixador Roberto Azevêdo disse que se não houver impacto na inflação, então tudo o que ele aprendeu de economia ao longo da vida está errado.
Segundo o embaixador, deve-se entender o contexto desse conflito. De um lado, o presidente Donald Trump é fruto da insatisfação americana com os efeitos da reestruturação econômica. De outro, a China desperta reações por ter crescido rápido demais em período muito curto:
— Em 2001 (quando entrou na Organização Mundial do Comércio) a China era a décima economia mundial, agora é a segunda, multiplicou por dez seu tamanho. Tudo o que ela faz é observado com o microscópio. Está todo mundo preocupado com o crescimento chinês e o domínio chinês em várias áreas.
Para o Brasil, qual é a melhor estratégia? Segundo o diretor-geral da OMC, não é aumentar o protecionismo com o argumento de que os Estados Unidos também estão elevando tarifas.
— A tarifa média brasileira é cinco vezes maior do que a americana. A preocupação do Brasil tem que ser menos a proteção e mais a competitividade. A realidade é que o Brasil é pouco competitivo na área industrial, exceto alguns setores de excelência que são exceção. A indústria brasileira durante décadas se pautou pelo mercado interno. O externo era o bônus. Os países que estão crescendo e se desenvolvendo de maneira mais sustentável são aqueles abertos à competição internacional — diz o embaixador.
E é nesse mundo de uma escalada de conflitos que o Brasil precisará encontrar um caminho para a sua fragilizada economia.