O país aprendeu nos últimos anos, em ações memoráveis como as do então juiz Moro, a exigir explicações claras dos agentes públicos
Quando juiz, o futuro ministro Sérgio Moro costumava usar expressões definidoras e claras. Uma delas, a “cegueira deliberada”, que consiste em não ver o que está evidente pelos indícios. A família do presidente eleito e a equipe que estará no poder a partir de janeiro parecem estar se abrigando nela quando dão respostas vagas para o caso do ex-assessor do deputado estadual, e senador eleito, Flávio Bolsonaro. Os depósitos e saques sequenciais em sua conta lembram um padrão que ficou conhecido durante a Lava-Jato.
Fabrício de Queiroz é chamado de ex-assessor porque se exonerou em outubro, mas circula próximo à família Bolsonaro há muito tempo. Tem antigas e sólidas relações. O valor que movimentou em um ano, R$ 1,2 milhão, está acima de suas posses. A maneira como os depósitos e saques foram feitos parece seguir um padrão que sempre foi entendido pelos investigadores da LavaJato como indício de lavagem de dinheiro. Por isso é tão importante que se mostre a origem dos recursos. A coincidência de depósitos de servidores na conta de Queiroz nos dias do pagamento na Assembleia Legislativa, onde o deputado, agora senador eleito, tinha seu gabinete, lembra muito os pagamentos de pedágios feitos por funcionários dos políticos. Os saques em quantias picadas, em agências diferentes do mesmo banco, no mesmo dia, também remetem a esquemas em que o dinheiro passava por contas para ser lavado e usado para o pagamento de despesas. Pode ser pura coincidência, mas, tantas investigações depois, é mais difícil acreditar no acaso.
O dinheiro que entrou na conta de Michele Bolsonaro foi justificado pelo presidente eleito como pagamento de um empréstimo. Isso indica que Queiroz era mesmo próximo da família Bolsonaro, dado que recebeu empréstimos — que chegaram ao todo a R$ 40 mil, como já adiantou-se o presidente —sem quaisquer documentos que resguardassem o credor e que informassem às autoridades.
Se os investigadores do Ministério Público estadual seguirem o mesmo padrão dos seus colegas do MP Federal passarão a trabalhar com a hipótese de que isso é a ponta de outros ilícitos. Até porque tudo se repete com uma precisão milimétrica, como o sumiço do assessor e de toda a sua família. Uma das filhas, Evelyn, ainda trabalha no gabinete do deputado Flávio. Aliás, quatro pessoas da família já estiveram empregadas no mesmo gabinete, exibindo a intensidade dos laços de família com o sargento da PM.
As idas e vindas das reações ao caso no novo governo também não favorecem o esclarecimento. O futuro ministro da Justiça Sérgio Moro primeiro escolheu o silêncio, depois admitiu que era preciso explicar, apesar de ter se convencido de que houve um empréstimo. “O senhor presidente eleito já esclareceu a parte que lhe cabe do episódio”. Para Moro, outros devem explicações, principalmente “o senhor Queiroz”. O futuro ministro da Casa Civil, Oxyx Lorenzoni, irritou-se com a imprensa —“não tem a menor relevância sua pergunta”— depois quis saber o salário do jornalista, acusou o Coaf de não ter tido o mesmo comportamento em outros casos, o que não é verdade. Dias depois, mais calmo, admitiu que tudo precisa de investigação.
O senador eleito Flávio Bolsonaro afirmou que procurou o ex-assessor para cobrar explicações e se convenceu:
— Ele me relatou uma história bastante plausível e me garantiu que não há nenhuma ilegalidade.
A dúvida que resta é porque uma história plausível e sem ilegalidade ainda não foi explicada para o conforto do público em geral. O Brasil é um país politraumatizado neste assunto e que aprendeu a desconfiar de transações que fogem ao costumeiro.
—Todos nós já sabíamos que entrar nessa, numa situação em que incomodamos tanta gente, nós viraríamos alvo. E assim é que tem que ser, as pessoas que estão mais expostas na vida pública têm que ser cobradas —disse Flávio Bolsonaro.
A parte final da frase salva o meio. As dúvidas sobre a movimentação bancária de seu ex-assessor não acontecem porque ele incomoda “tanta gente”, mas porque “as pessoas que estão mais expostas na vida pública têm que ser cobradas”. O país aprendeu nos últimos anos, em sentenças memoráveis como as do juiz Sérgio Moro, a preferir explicações claras. E elas ainda estão fazendo falta neste caso.