Trégua entre EUA e China no comércio internacional mostra que a diplomacia brasileira precisa ser profissional, sem escolher lados
A trégua entre Estados Unidos e China animou o mercado do mundo inteiro e movimentou os preços dos ativos ontem. No Brasil, a comemoração foi menor porque o Ibovespa tem subido bastante. Mas o evento mostra a complexidade das relações internacionais e como é perigoso escolher um lado numa disputa entre as duas maiores economias do mundo. A guerra comercial traria prejuízos para todos, mas a trégua vai aumentar as vendas americanas de soja para a China.
Os Estados Unidos estão neste momento comercializando a safra de soja, e a nossa só estará pronta no primeiro semestre do ano que vem. Portanto, a paz vem bem a calhar para os produtores de soja americanos. Já para o Brasil, o efeito é inverso. Somos competidores dos Estados Unidos neste mercado, por isso em 2018 o Brasil vendeu 30% mais para o mercado chinês por causa da hostilidade entre as duas potências. Com a ameaça da sobretaxa dos Estados Unidos, a China mostrou como pode retaliar e comprou mais do Brasil.
O ganho era localizado e temporário, porque uma guerra aberta no comércio entre eles, se houver, provocará uma queda do crescimento global. Com a globalização, o que afeta um país pode atingir vários outros, encolhendo a economia mundial. A Organização Mundial do Comércio (OMC) calculou que o conflito entre os dois países poderia provocar, de cara, uma queda de 17,5% no comércio mundial e uma redução de dois pontos percentuais no crescimento do mundo.
O futuro governo brasileiro deu sucessivos sinais de alinhamento aos Estados Unidos e soltou palavras enviesadas em relação à China. O presidente Trump seria o salvador do Ocidente, já a China estaria comprando “o” Brasil. Bastou a trégua de três meses negociada entre Washington e Pequim para mostrar que nessa briga não se entra por várias razões. O ideal é mantermos boas relações com os dois lados. As duas potências, mesmo rosnando uma para a outra, podem mudar de ideia a qualquer momento, dependendo do próprio interesse, e suspender as ameaças, como aconteceu agora, pelo menos por três meses. O Brasil e os Estados Unidos são competidores em vários mercados, como soja, carne, frango, milho. Ambos são grandes produtores de commodities.
Haverá momentos que nossos interesses se aproximam, em outros eles se distanciam. Aos Estados Unidos, o Brasil pode se aliar quando estiver discutindo a redução dos subsídios europeus, porque a Europa tem subsídios mais altos do que os americanos. Só para citar um exemplo. Já a Europa foi vítima, como o Brasil, da elevação das tarifas impostas pelo governo Trump contra o aço. Eles já negociaram um acordo EUAUE, enquanto a siderurgia brasileira teve que se submeter às cotas impostas por Trump.
Os gestos diplomáticos do futuro governo até agora revelaram amadorismo. O ardor ideológico do futuro ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, em relação aos Estados Unidos é constrangedor. A visita do deputado Eduardo Bolsonaro a Washington foi extemporânea. Não se vai de peito aberto declarar o que faremos para agradá-los. A diplomacia americana é profissional, a nossa costumava ser. Tudo o que o Brasil não precisava era repetir os erros diplomáticos do PT, no sentido inverso.
Os Estados Unidos são um parceiro comercial importante, a maior economia do mundo, e o bom é ter as melhores relações comerciais e políticas com eles, desde que saibamos qual é o nosso interesse em cada movimento do jogo diplomático.
O dia ontem foi de otimismo nas bolsas e de aumento do apetite por ativos de risco. Na Europa e nos EUA, os principais índices fecharam no azul, o dólar perdeu força perante as principais moedas, os juros futuros americanos recuaram, assim como o índice Vix, que mede a volatilidade nos mercados. Aqui no Brasil, o Ibovespa chegou a bater novo recorde ao longo do dia, mas perdeu força no final do pregão e fechou em alta de 0,3%.
A retirada da sala, ainda que temporária, do bode da guerra comercial é de fato uma excelente notícia para a economia mundial. Mas é bom lembrar os pontos em que as economias competem, e os pontos nos quais podem atuar juntas. Em suma, nenhum alinhamento pode ser automático na diplomacia. Uma velha lei que o PT esqueceu e que o governo Bolsonaro, pelo visto, não quer lembrar.