Três generais prestarão depoimento hoje como testemunha. Eles defenderão um presidente que anda de jet ski sobre a dor do país em uma pandemia
Hoje, três generais vão prestar depoimento: três ministros do governo Bolsonaro, um deles, o general Luiz Eduardo Ramos, é da ativa e até junho do ano passado comandava o II Exército. São apenas testemunhas e puderam usar as prerrogativas do artigo 221 do Código de Processo Penal, como a de participar da escolha de hora e local dos depoimentos. Falarão ao mesmo tempo em salas diferentes, para não combinarem versão. Houve reação à expressão “debaixo de vara”, do ministro Celso de Mello, mas ela não tem no mundo jurídico o mesmo peso. A questão é que esse é o momento em que o Exército começa a ver, de forma transparente, o impacto negativo da simbiose com o governo Bolsonaro.
Os três generais, Augusto Heleno, Braga Netto e Eduardo Ramos, têm, evidentemente, avaliações positivas do governo no qual trabalham, mas eles sabem que já pesa sobre a farda toda a evolução de uma administração que vive em conflito com a maior parte da sociedade brasileira, com as autoridades regionais e com as instituições democráticas. Podem negar o teor da conversa que tiveram com Moro, mas suas palavras estarão sob escrutínio da opinião pública, dado que o processo é público. Independentemente do que aconteça com esse inquérito, este é um momento de constrangimento para os militares.
Era previsível que haveria situações assim. Em meados do ano passado, tive uma conversa muito franca com dois generais, um deles grande defensor da administração Bolsonaro. O que ficou claro para mim naquela conversa é que eles sabiam que estavam correndo riscos ao sair da posição discreta que mantiveram durante 30 anos de governos civis. Um deles admitiu:
– Em nenhum outro governo, desde a redemocratização, tivemos o protagonismo que tivemos neste. Isso pode ser um ônus se o governo der errado.
O governo deu errado. Nada se pode falar em favor de uma administração cujo presidente faz o que ele fez no sábado. Quando o país atravessava a triste marca dos 10 mil mortos em uma pandemia, o presidente passeava de jet ski, e o Congresso e o Supremo decretavam luto oficial de três dias. Neste momento, o que será que pensaram os generais que fizeram movimento tão arriscado de se instalar em um governo como se deles fosse? Um presidente insensível, que trata o sofrimento dos brasileiros com escárnio, que relação tem com os valores que as Forças Armadas dizem representar?
As lideranças militares levaram 30 anos para tentar recuperar a credibilidade, e a emprestaram a uma administração que enquanto alguns governadores estão decretando lockdown – e o mundo nos olha como o pior exemplo na condução de uma resposta à crise sanitária – o presidente está preocupado em liberar academia, cabeleireiro e barbearias como atividades essenciais. E detalhe, não avisou ao ministro da Saúde. Ministro, aliás, que aceita qualquer coisa, aceita ser figura decorativa em seu próprio Ministério, onde os militares se espalham ocupando cargos antes exercidos por funcionários de carreira.
A semana começou tensa – aliás, todas as semanas no Brasil são tensas neste governo – com toda a expectativa em torno do vídeo da reunião ministerial que será assistido tanto pelo procurador-geral da República, o advogado-geral da União, quanto por Sergio Moro. Juntos. Claro que o governo tenderá, tanto no depoimento dos generais quanto na linha de defesa da AGU, minimizar o que houve na reunião como sendo o “estilo” do presidente. “Esse é o jeitão dele”, é a frase que eu mais ouço de ministros quando querem desculpá-lo do indesculpável.
Ontem, o ex-diretor da Polícia Federal Maurício Valeixo narrou que recebeu telefonema do presidente dizendo que ia demiti-lo e que preferia que fosse “a pedido” de Valeixo. Um comportamento estarrecedor do presidente. Primeiro, passa por cima do então ministro, segundo, liga para o diretor da Polícia Federal e ainda quer combinar que seja publicada uma mentira no Diário Oficial.
Quanto mais os militares defenderem o governo neste momento, mais eles se misturarão a ele. Isso é do interesse de Jair Bolsonaro, a quem sempre foi benéfico esconder-se atrás dos militares. Mas e as Forças Armadas? O que ganharão negando diariamente, na prática, os valores que dizem defender?