Exposição revela a memória dos conflitos da República. Deixe do lado de fora do Instituto Moreira Salles, no Rio, qualquer ideia que você tenha sobre o Brasil ser um país pacífico, sem guerras, e prepare-se para ver a história em fotos e ângulos inesperados. Em Ponta Grossa, em abril de 1894, o cabo Sebastião Juvêncio, ao lado de superiores, faz pose para o fotógrafo Affonso de Oliveira Melo, minutos antes de degolar um rebelde.
Era a Revolução Federalista, no Sul do Brasil, uma guerra civil que deixou dez mil mortos, mil deles degolados. A Kodak havia acabado de chegar ao Brasil, e “as partes em luta contratavam estúdios fotográficos para retratar líderes, tropas, acampamentos e vitórias”, diz o texto da curadora Heloisa Espada. Algumas fotos são de arquivos públicos, outras são de coleções pessoais, e houve um esforço de procura de documentos inéditos.
A exposição conta com imagens a História do Brasil através dos seus conflitos, do início da República até 1964. Trata do golpe, mas não da ditadura militar, porque aí seria uma outra história, explica Heloisa Starling. Ela e Angela de Castro Gomes são as organizadoras. A exposição exibe imagens de uma sequência impressionante de revoltas, motins, guerras sangrentas ao longo de 75 anos da República, dissolvendo a ideia de que o Brasil resolveu desavenças apenas na negociação.
A maioria das fotos expostas é de fotógrafo desconhecido, mas algumas têm autoria. Marc Ferrez e Juan Gutierrez registram a Revolta da Armada, no Rio. Anos depois, em 1923, os gaúchos se envolvem em nova peleja. Marcante a foto feita por fotógrafo desconhecido do general Zeca Netto andando entre o povo com seu chapéu, durante a ocupação em Pelotas. Neste e em outros conflitos, os brasileiros com sombreiros se parecem com mexicanos.
A guerra do Contestado, de 1912 a 1916, na região de Paraná e Santa Catarina, deixou dez mil mortos. Os registros são do fotógrafo Claro Jansson contratado pela Southern Brazil Lumber & Colonization, empresa que recebera do governo terras das quais os posseiros foram deslocados, iniciando a revolta.
A foto de dois jovens numa sala em meio a escombros, imagens de fábricas destruídas por bombardeio aéreo. É São Paulo em 1924, na Revolta Tenentista. As tropas do governo com 18 mil homens bombardearam a cidade para reagir ao governo provisório que havia sido instalado pelos rebeldes. Em 1932, na Revolução Constitucionalista, chamada de guerra civil na exposição, há uma foto de paulistas, derrotados, presos e amontoados em vagões de gado. Na frente do trem, tropas do Exército e em cima do vagão a figura solitária de um homem com capa e quepe.
A espessa fumaça que sobe do 3º Regimento de Infantaria do Rio de Janeiro, na Insurreição Comunista de 1935; as fotos e filmes que Benjamin Abrahão fez em 1936 de Lampião e seu grupo; a praia do Flamengo tomada pelo povo, e a fúria popular após a morte de Getúlio, 1954; o corpo do capitão Cazuza, morto em Jacareacanga, em 1956. Há uma sucessão de ângulos não vistos e mal-entendidos da História do Brasil. Tantos que espantam um jovem que trabalha como segurança na mostra. Ele me disse que está na expectativa de seguir uma visita guiada. Quer aprender mais sobre esse Brasil.
As fotos de Flávio de Barros da Guerra de Canudos, de 1896 a 1897, são projetadas na parede, como fez o autor ao voltar de lá e passar a ganhar a vida no Rio com essas imagens. Ele exibia as fotos, com uma tecnologia anterior ao cinema, a da lanterna mágica. Pagava-se para ver as fotos de Antônio Conselheiro e seus seguidores, ou do Exército que o derrotou, no conflito em que morreram, nos sertões, 20 mil brasileiros. Em uma das cenas se pode ver o corpo de uma criança entre escombros.
Uma voz descreve cenas de tortura. É Gregório Bezerra, líder comunista, contando seu sofrimento na prisão em 1964. Ele fora professor na escola militar e no seu depoimento descreve um primeiro sentimento: “a atitude da oficialidade do CPOR, dos alunos e a dos soldados me encorajaram”. Achou que, na visão desses militares, o que acontecia com ele “manchava a tradição do Exército Nacional”. Gregório Bezerra foi torturado e arrastado pelas ruas de Recife com uma corda no pescoço. Era o início de um novo ciclo de violências.