O Ministério da Economia também errou na condução do combate à pandemia. Durante muito tempo, o ministro Paulo Guedes reforçou o equívoco do presidente de que havia uma dicotomia entre economia e saúde, em nenhum momento o Ministério conseguiu passar para o resto do governo qual deveria ser a estratégia econômica de combate ao vírus. E aceitou que o Brasil chegasse tarde ao mercado de vacinas. A carta dos economistas mostra que houve erro econômico, de avaliação, de decisão, de análise de custo-benefício.
Economistas que trabalharam em governos diferentes, que estiveram no Banco Central em diversos momentos e até com pensamentos divergentes assinaram a carta sobre a qual o colunista Merval Pereira falou na coluna dele no domingo. “Vacinas são relativamente baratas face ao custo que a pandemia impõe à sociedade”, diz o texto. Agora Paulo Guedes fala em vacinação em massa como a melhor política fiscal e econômica, mas como se fosse um expectador e não pudesse ter influenciado na correção de rotas meses atrás. Com argumentos econômicos, os signatários criticam o caminho escolhido pelo governo Bolsonaro, o dos “falsos dilemas”, dos “debates estéreis” e do insistente negacionismo.
Os casos dos Estados Unidos e do Reino Unido ensinam que políticas rigorosas de distanciamento social e uma liderança firme derrubam os números de infecção e mortes. Os Estados Unidos chegaram a 4.000 mortes, o Reino Unido, a 1.800. No fim de semana, eles reduziram aos patamares de 400 e 40 mortes por dia, respectivamente. Nos dois países houve correção de rotas do governo, num caso pela troca de presidente e, no outro, pela mudança radical de atitude do primeiro-ministro. O caso de Israel indica que, mesmo depois de vacinar metade da população — agora já quase 70% estão vacinados por lá — é preciso esperar umas seis semanas para controlar a pandemia. Mesmo quando se avança na vacinação dos mais velhos as mutações atingem os jovens e continuam contaminando. A luta é árdua.
O centro da carta dos economistas é a de que, numa crise deste tamanho, não ter uma liderança forte faz muita falta. No nosso caso é pior porque o governo atua do lado errado, está remando contra. O governo agrava todas as crises, inclusive a econômica. Bolsonaro não mudou, tanto que está com ação do Supremo contra governadores e, no domingo, comemorou seu aniversário fazendo mais ameaças ao país com o uso da imagem das Forças Armadas. O documento surgiu espontaneamente, segundo contam os signatários, e só foi possível ter tantas adesões porque tocou num nervo exposto. O Brasil virou o epicentro da crise sanitária global. “Na campanha contra a Covid-19, se estivéssemos vacinando tão rápido quanto a Turquia, teríamos alcançado uma proporção de população duas vezes maior, e se tanto quanto o Chile, dez vezes maior”, escreveram no documento. “Impressiona a negligência com as aquisições das vacinas”, diz.
Guedes ecoou algumas vezes o presidente, como quando acompanhou um grupo de empresários em procissão até o STF, defendendo a abertura imediata da economia, ou no preconceito em relação à China, como demonstrou naquela reunião ministerial de abril de 2020. Outras vezes, ele não se envolveu, mas deveria. Se percebia que o Ministério da Saúde estava à deriva, numa questão que era central na equação econômica, deveria ter agido. Isso tinha que ter acontecido em meados do ano passado, quando países e fornecedores de vacina estavam ofertando o produto.
“A relação custo-benefício da vacina é da ordem de seis vezes para cada real gasto na aquisição e aplicação. A insuficiente oferta de vacinas no país não se deve ao seu elevado custo, nem à falta de recursos orçamentários, mas à falta absoluta de prioridade atribuída à vacinação”, diz a carta dos economistas.
A tentativa do setor de comunicação do Planalto de apagar a história recente e dizer que o presidente sempre defendeu a vacina só daria certo se houvesse uma amnésia coletiva. O país viu as inúmeras vezes em que Bolsonaro combateu a vacina, alimentou mentiras sobre efeitos colaterais, tratou o imunizante como produto do “inimigo”, seja a China, seja o governador de São Paulo. Os economistas, na carta, mostram que faltou também inteligência econômica no combate à pandemia.