Previdência já provoca bateção de cabeça entre a cúpula do futuro governo Bolsonaro. A boa notícia é que dizem que farão a reforma
A reforma da Previdência já provoca falas dissonantes no governo que nem começou de Jair Bolsonaro. A boa notícia é que dizem que farão reforma. A partir daí começa a Torre de Babel. A batida de cabeça entre Paulo Guedes e Onyx Lorenzoni era previsível. Aqui mesmo alertei que o cotado para chefe da Casa Civil, unido ao PT, fora um aguerrido adversário da proposta do governo Temer. Guedes lembrou ontem que sempre disse “aprovem a reforma”, e agora não pode dizer o contrário, e alfinetou: “é político falando de economia.”
São os políticos que aprovam as propostas dos economistas, portanto os dois precisam se entender. Há três ideias na mesa: aprovar a reforma de Temer, fazer um projeto mais amplo para o ano que vem, apresentar uma fórmula para mudar do regime de repartição para o de capitalização. Cada uma tem sua vantagem, mas também tem seu problema.
Se a decisão for aprovar a reforma do Temer, só será possível votar na Câmara, mas ganha-se tempo. No ano que vem, ela poderia ser modificada no Senado e teria que voltar à Câmara. Ela tem a vantagem de estabelecer a idade mínima, coisa que está se tentando no Brasil desde o primeiro governo Fernando Henrique. O problema é que a proposta perdeu substância em parte pela ação de políticos como Onyx Lorenzoni e o Major Olímpio, da base de Bolsonaro. Ontem mesmo, Olímpio avisou que, se o texto for a plenário, votará contra.
Aí viria a segunda proposta. A do político Lorenzoni. Ele diz que a atual é remendo e sugere que seja ampliada e que dure para os próximos 30 anos. Ótima ideia. O futuro chefe da Casa Civil pode começar por incluir de volta os policiais militares e bombeiros que foram retirados pela pressão dos defensores dessas corporações, entre os quais está o presidente eleito. Inclua-se também as Forças Armadas. Se é para valer por 30 anos precisa ser ampla, geral e irrestrita. O déficit das três Forças vai ser de R$ 42 bilhões no ano que vem. O valor foi retirado da conta da Previdência, e levado para a Defesa, sob a alegação de que militar não se aposenta, vai para a reserva e pode ser chamado a qualquer momento. Balela. Déficit é a despesa maior do que a receita. Mudar de nome ou de escaninho não resolve o problema.
A terceira ideia também é boa. É mudar do sistema de repartição, em que cada ativo contribui para o pagamento dos inativos, para o de capitalização, em que cada um contribui para si mesmo em contas individuais. Esse sistema foi muito falado pela campanha de Ciro Gomes, que se debruçou sobre a proposta, mas nunca ficou claro o custo dessa transição. E esse é o problema.
Se quiser preparar a migração de um modelo ao outro, Paulo Guedes precisará de meses de estudo e recomenda-se ouvir mais especialistas. Há várias questões sem resposta, mas a maior delas é que, se cada um vai poupar para si, isso reduz o financiamento para os que já estão aposentados. Aí o déficit aumenta no curto prazo. Guedes tem usado como parâmetro o modelo chileno de 1981. Só que ele foi implementado na ditadura de Pinochet e foi fácil cortar direitos adquiridos. Naquela época, a pirâmide etária era mais favorável e a previdência chilena estava bem mais equilibrada que a nossa. Tem que se escolher como, quando e com que velocidade se faria a migração. A propósito: a do Chile tem dado problemas.
O deputado Onyx Lorenzoni quer separar sistema de aposentadorias e pensões de seguridade social. Teria que mudar a Constituição, que criou dois orçamentos, o fiscal e o da seguridade. No primeiro, a fonte de renda são impostos, e quase todos eles são compartilhados com estados e municípios. O da seguridade social, financiado por contribuições, está dividido em previdência, saúde e assistência social. Nesse último estão Bolsa Família e benefícios para os muito pobres e mais velhos que nunca contribuíram (Loas e BPC). Mas o déficit da Previdência mesmo é o resultado do que os trabalhadores e patrões recolhem e o custo das pensões e aposentadorias. Portanto, separar previdência de assistência pode tornar os dados mais compreensíveis, mas não reduz em nada o déficit. Mesmo quando se tira da conta a saúde e a assistência social, há um enorme rombo. Quem não quer fazer reforma costuma falar que a mistura é que causa o déficit. Essas contas estão no vermelho quando estão juntas ou separadas.
Enfim, que reforma o governo Bolsonaro quer fazer e sob o comando de quem? Isso ainda não se sabe, mas, também, o governo não começou.