Sinal da arma com os dedos e “mirar na cabecinha” não são política de segurança, são apologia da violência feita por autoridades
Há quem diga que o presidente Jair Bolsonaro e o governador Wilson Witzel foram eleitos com uma agenda forte em segurança. Não é verdade. Bolsonaro faz apenas a apologia das armas. Isso não é um programa de segurança. Witzel disse que seus policiais iriam “mirar na cabecinha” e “abater criminosos”. Isso é defesa de assassinatos. Ele foi juiz um dia, deve ter lido que no Brasil não tem pena de morte. O que ele faz é executar a pena capital de forma sumária, sem julgamento. Como era previsível, as vítimas inocentes aumentam.
A morte de Ágatha Felix, 8 anos, é uma tragédia tão imensa e fica maior diante do fato de que outras crianças morreram este ano. E a prática continua sendo de atirar para averiguações. Segundo relato dos moradores, um policial da “polícia pacificadora” viu uma moto suspeita e atirou. Acertou a menina em uma van.
Segundo a versão da Polícia houve um tiroteio e não se sabe de onde partiu o tiro que encontrou a menina linda, inteligente, cheia de planos e que estava à caminho de Agatha’s House, como desenhou em sua aula de inglês. É inevitável pensar no futuro da menina. O futuro morto da menina.
A tragédia do Rio é que a última vez em que houve o esboço de política de segurança o governador era corrupto. A corrupção matou o sonho de uma polícia de nome Pacificadora. A ideia era ter jovens policiais recrutados e treinados numa nova mentalidade, para ver no morador um aliado e não um inimigo, para ouvir a comunidade e trabalhar pela paz. Ao mesmo tempo, o Estado prometia estar presente em cada parte da cidade e não aceitar a anomalia da possessão de facções criminosas sobre parte do território. Houve um florescer de negócios nas comunidades, os moradores da cidade adquiriram o direito de ir e vir, entidades especializadas avaliaram os avanços, obras realizaram antigos projetos de urbanização.
Parecia que a barbárie de uma polícia que entra atirando em áreas superpovoadas, colhendo vítimas inocentes, estava acabando. A morte de Amarildo na Rocinha nos acordou do sonho, e, por fim, a corrupção destruiu essa política.
O Rio e o Brasil precisam de uma política de segurança que mereça o nome. Essas declarações grotescas do governador do Rio e os dedos em forma de arma na mão do presidente só revelam a falta de qualquer ideia inteligente na cabeça dos dois sobre o assunto. Bolsonaro editou sete decretos ampliando a posse e o porte de armas, seu filho Eduardo anda por aí com uma pistola na cintura. Nas redes de ódio — que têm escritório funcionando no terceiro andar do Palácio do Planalto —as críticas ao filho 03 foram retrucadas com o argumento, recheado de palavrões, de que ele é um policial e por isso pode andar armado. Eduardo foi escrivão de polícia. Seus passeios com pistola são apenas mais um sinal do exibicionismo, mais uma confissão de fraqueza desse governo que continua perdido no tiroteio.
Bolsonaro e Witzel brigam entre si de olho em 2022, mas parecem siameses na impotência, na incapacidade de ter uma política estruturada para a segurança, na insensatez com que estimulam a violência, na imitação patética de soldadinhos de chumbo. Deixam-se fotografar portando armas, adoram bater continência, não perdem um desfile militar e fantasiam-se de policiais. São governantes, deveriam ter uma estratégia para enfrentar a epidemia de mortes de jovens no país, quase todos pretos, quase todos pobres.
Morrem também os policiais, mais de suicídio do que de homicídio. Nesse mar de sangue todos estão se afogando. O governo federal responde com a promessa de não punir agentes do Estado que matem. É o excludente de ilicitude. No comando dessa suposta política de segurança está o ex-juiz Sergio Moro de quem supunha-se o conhecimento das leis, do devido processo legal, das inconstitucionalidades. Moro, fritado pelo presidente até virar uma sombra de si mesmo, vai colher outra derrota no seu pacote anticrime. O projeto foi pensado para combater a corrupção, mas teve que abrigar as ideias do presidente como a de dar aos policiais licença para matar.
Depois desse fim de semana de morte e do enterro de uma menina com tanto futuro pela frente, a cidade amanheceu pesada. O Rio carrega cicatrizes demais.