Míriam Leitão: Bolívia busca uma saída para a crise

O pior efeito da crise na Bolívia é a volta das fraturas étnicas em um país marcado pela longa violência contra os indígenas.
Foto: ABI
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O pior efeito da crise na Bolívia é a volta das fraturas étnicas em um país marcado pela longa violência contra os indígenas

La paz é uma cidade vulnerável. Ela fica num vale a 3.600 metros de altitude e acima dela, como quem a vigia, fica El Alto, cuja população cresceu muito nos últimos anos. A partir de lá quem controla três ou quatro pontos bloqueia a capital boliviana e impede o acesso a alimentos, combustíveis e ao aeroporto. É o risco permanente nestes dias. Do ponto de vista político, esta semana teve uma melhora porque a Câmara e o Senado conseguiram se reunir, foi enviado um projeto de lei sobre a nova eleição. Mas o quadro é complexo, sensível, delicado.

Existem 45 mil brasileiros morando na Bolívia, 30 mil ficam em Santa Cruz. Seria melhor ter lá a nossa embaixada, mas no governo brasileiro ninguém confirma decisão de transferência da nossa representação. Existem apenas planos sendo estudados, de reduzir pessoal ou de transferência da embaixada. Esta semana, quando a situação de desabastecimento estava ficando crítica, e La Paz estava quase parando, o governo conseguiu, com escolta militar, pegar combustível e trazer para a cidade a quantidade que foi definida no noticiário local como “30 cisternas”.

O governo provisório, de Jeanine Áñez, toma decisões que deveriam caber a um governo permanente, como trocar o pessoal diplomático em alguns países e decretar que cessaram as funções de vários embaixadores na OEA e ONU. A presidente argumenta que eles estavam se aliando ao Evo.

Analistas veem contudo alguns sinais positivos apontando para uma saída negociada e ela terá que passar, necessariamente, por novas eleições em breve. Um dos sinais positivos foi que nos últimos dias o Congresso se reuniu, e uma mesa de diálogo convocada pela Conferência Episcopal conseguiu juntar as forças políticas, inclusive os políticos do MAS, Movimento ao Socialismo, de Morales. O governo já concedeu mais ou menos 30 salvo-condutos para pessoas que haviam pedido asilo na embaixada do México.

Essa mesa de diálogo tem pré-acordos por etapas. Os políticos do MAS, que são maioria nas duas Casas do Congresso, garantem que não vão tentar rechaçar a renúncia de Evo que ainda não foi votada. A presidente interina assumiu na vacância do cargo. O pedido de renúncia permanece pendente.

O projeto que o governo mandou não prevê prazo para as novas eleições, e analistas acham que 90 dias, como diz a Constituição, é pouco tempo para agilizar as inúmeras pendências. A mais urgente delas é ter um tribunal superior eleitoral. Os antigos integrantes ou foram presos ou foram destituídos. Depois de ter uma autoridade eleitoral, o governo quer fazer um novo cadastro eleitoral.

Há briga dentro do MAS, mas os que faziam oposição a Evo Morales sempre foram fragmentados também. No MAS, a disputa é entre os radicais de Chapare, região cocaleira reduto de Evo Morales, e o grupo mais moderado no resto do país. Há dois possíveis candidatos. Um deles é o líder cocaleiro Andrónico Rodríguez de Chapare. E outra é a ex-presidente do Senado Adriana Salvatierra, jovem de apenas 25 anos. A indefinição prova, mais uma vez, o erro de Evo Morales de não ter estimulado novas lideranças.

Pelo lado da situação, a disputa se dá entre o ex-presidente e segundo mais votado na eleição, Carlos Mesa, e Fernando Camacho, presidente do Comitê Cívico de Santa Cruz, de direita radical. O partido de Mesa, o Comunidad Ciudadana, não é forte. Morales continua sendo uma liderança com pelo menos 30% do país. Seu governo foi de crescimento econômico e de avanços sociais inegáveis. Suas decisões continuístas, como a de desrespeitar o que se chama na Bolívia de “21F”, ou seja, o resultado do plebiscito de 21 de fevereiro de 2016 que o impediu de se candidatar ao quarto mandato, ou terceiro na nova Constituição, e as fraudes no processo eleitoral cindiram a Bolívia.

O pior efeito da crise é a volta das fraturas étnicas da Bolívia, um país marcado pela longa violência contra os indígenas. Isso começou a mudar com Evo. Até quinta-feira já haviam morrido 30 pessoas nesta crise. O novo governo está atrás de indícios de ligação do ex-presidente com o narcotráfico. Os militares tutelam o novo governo, e o Exército atua na repressão junto com a Polícia. Nesse ambiente, prestes a explodir, que se negocia na Bolívia uma nova eleição, única chance de sair bem desta crise. O ambiente é incerto e perigoso.

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