Míriam Leitão: Biruta da bolsa e o vento da economia

Queda das bolsas americanas ontem mostra que os mercados devem viver momentos de volatilidade, apesar das últimas semanas de recuperação.
Foto: Suno Research
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Queda das bolsas americanas ontem mostra que os mercados devem viver momentos de volatilidade, apesar das últimas semanas de recuperação

Os mercados ontem derreteram. As bolsas americanas tiveram a maior queda diária em três meses, e os papéis das maiores empresas brasileiras fecharam em queda de 8,7% por lá. Durante semanas, o movimento foi o oposto, de forte recuperação. Na quarta-feira, as bolsas nos EUA haviam zerado as perdas com a crise. No Brasil, o Ibovespa subiu 48% desde o pior momento, mas ainda está 26% abaixo do pico registrado em janeiro. Hoje, o índice deve abrir em queda, após o feriado, para refletir o movimento no mundo do mercado.

Mesmo com a queda de ontem, o fato é que os mercados parecem meio descolados da realidade. Houve momentos nos últimos dias em que a bolsa subia no Brasil, o dólar caía, enquanto o país vivia a escalada das mortes e o aprofundamento da crise política. No mundo inteiro as projeções são de forte recessão em 2020. Então por que houve essa recuperação das bolsas? Os investidores explicam que muita coisa mudou desde o início da pandemia, atenuando os temores iniciais.

— De uma forma geral, a recessão está menos intensa do que se imaginava. Houve suporte grande dos governos e um aumento de liquidez nunca visto pelos bancos centrais. Além disso, hoje se tem mais informações sobre o vírus. Então, em uma ponta, houve diminuição do risco, e em outra, o “seguro pelo sinistro” ficou maior, pela atuação dos BCs — resume o economista-chefe da Mauá Capital, Alexandre de Ázara.

O economista Felipe de Faria Viana, estrategista-chefe da Valor Investimentos, entende que houve um exagero inicial dos mercados. Olhando para a bolsa brasileira, ele explica que o índice Ibovespa tem um peso muito grande de empresas exportadoras, como a Vale, que se beneficiam da desvalorização do real, e de outras companhias grandes que mantêm acesso ao crédito mesmo nos piores momentos, o que não acontece com a micro, pequenas e médias empresas.

— Parte do problema da crise foi absorvida pelas políticas fiscal e monetária. Nos EUA, as famílias de baixa renda receberam cheques mensais de US$ 1,2 mil do governo. Houve muito estímulo. Aqui no Brasil a composição do índice Ibovespa em alguns momentos faz com que ele se descole da economia real — explicou.

Os gráficos e dados mostram que as bolsas americanas tiveram uma recuperação em “V”, ou seja, com uma queda forte e uma volta rápida. O índice Nasdaq, com papéis de empresas de tecnologia, não só recuperou a queda como bateu novo recorde. A redução do desemprego nos EUA em maio animou os investidores, após a forte alta no mês de abril. A taxa, que havia disparado de 4,4% para 14,7%, foi para 13,3%. E havia projeções de que poderia passar dos 20%.

— Na China, onde a pandemia começou, as vendas do varejo, a produção industrial e as pesquisas de PMIs de serviço e manufaturas vieram melhores do que o esperado — acrescenta Ázara.

No Brasil, no pior momento, no final de março, a bolsa caiu a 63 mil pontos e voltou para a casa dos 97 mil esta semana, com uma pequena queda nos últimos dois pregões. O dólar, que quase rompeu a barreira de R$ 6,00, caiu para R$ 4,97. Os investidores estrangeiros voltaram a comprar ações de empresas brasileiras em junho, com saldo positivo de R$ 3,17 bilhões no mês até o dia 10. Tudo isso, no entanto, ainda é uma recuperação parcial. No acumulado do ano, há saída de R$ 73 bi de investidores estrangeiros da bolsa, em janeiro o Ibovespa chegou a 119 mil pontos e o dólar era cotado a R$ 4,03.

A péssima atuação de Bolsonaro no combate à pandemia e o agravamento da crise política enfraqueceram o governo. Aos olhos do investidor, isso significa que a agenda de ajuste fiscal perderá força. Na semana que vem, os mercados financeiros estarão atentos à decisão do Copom. Com a deflação registrada em maio, o índice de preços em 12 meses caiu para 1,88%, muito abaixo do centro da meta de 4%. São grandes as apostas para um novo corte na Selic, em 0,75 ponto, que colocaria a taxa básica de juros em 2,25%.

Os ativos permanecerão voláteis este ano, porque há muitos fatores de instabilidade, riscos de uma segunda onda, o rigor da maior crise econômica da história recente no mundo e o coronavírus ainda fora do controle. O Brasil tem também seu tormento político.

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