Com 251 votos, Temer passou pelo segundo grande teste, como se esperava, mas o preço foi entregar partes relevantes do ajuste fiscal que prometeu fazer. O BC, ao tomar sua decisão ontem de levar os juros para 7,5%, estava diante do fato positivo da queda da inflação. Ao mesmo tempo, está havendo uma piora da situação fiscal provocada pelas concessões feitas por Temer para vencer na Câmara dos Deputados.
OBC reduziu o ritmo da queda dos juros e reduzirá de novo na próxima reunião. Está chegando ao fim o ciclo de afrouxamento monetário. Se a queda da última reunião do ano for de 0,5%, como se depreende do comunicado do Copom, o país terminará 2017 com 7% de juros, a mais baixa taxa de juros da era do real.
O que torna o terreno econômico instável é a reação do presidente Temer às suas crises políticas, porque ele tem minado o terreno que estava tornando a economia mais sólida. Foram muitas as concessões feitas: parcelamento de dívidas rurais, perdão de multas ambientais, desistência de privatizar Congonhas, sanção ao projeto do Refis que foi todo desvirtuado na Câmara, medidas de ajuste fiscal que ficaram paradas na mesa do chefe da Casa Civil. Para um país que tem R$ 159 bilhões de déficit público, essas concessões são desastrosas. O ajuste que já era insuficiente fica ainda mais fraco e incerto.
O governo Temer foi dividido irremediavelmente em duas partes no dia 17 de maio. Até lá, ele tomou algumas decisões acertadas na economia e tinha uma agenda de reformas que dava horizonte de melhora sucessiva no desequilíbrio das contas públicas. A despeito dos erros em várias áreas, os acertos trouxeram a inflação para baixo, elevaram a confiança de empresários e consumidores, derrubaram o dólar e permitiram a queda da taxa de juros em quase sete pontos percentuais.
O dia da revelação da conversa do presidente com o empresário Joesley Batista definiu a sorte do governo Temer. Ele sobreviveu à primeira denúncia, mas se enfraquecendo. E agora voltou a superar o obstáculo, mas ficou ainda mais fraco. Está sem condições de tocar a agenda de reformas. Pode, na melhor das hipóteses, tocar uma agenda de microrreformas que busquem um aumento da eficiência da economia brasileira.
Apesar de cada vez mais fraco, o governo conseguiu com facilidade vencer o obstáculo de ontem. Depois das concessões, das muitas reuniões com os deputados, e a seletiva liberação de emendas, o governo antes das nove da noite já tinha votos suficientes para impedir os 342 votos a favor do prosseguimento da ação contra o presidente.
Mesmo sobrevivendo às duas denúncias, este é um governo que permanecerá instável, impopular e sujeito a revelações inesperadas que o coloquem em cheque. Sua agenda que era de reformas para “pôr o país nos trilhos”, como dizia sua propaganda original, passou a ser atender a pleitos que representam flagrante retrocesso, como a portaria do trabalho escravo. Ele não tem condições de manter essa portaria. A sua suspensão pela ministra Rosa Weber, a declaração da procuradora-geral, Raquel Dodge, de que ela “ofende” a Constituição, toda a reação de repúdio de diversos setores da opinião pública obrigarão o governo a recuar. A declaração do ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, de que ela não será revogada, foi feita apenas para manter a convicção da bancada ruralista de que seu pedido seria atingido.
Economia e política não estão em compartimentos estanques, ainda que a economia tenha tentado se afastar da política, melhorando a confiança e o nível de atividade. O Banco Central tomou a decisão de reduzir os juros mesmo na atual situação econômica porque a inflação está muito baixa. Nos últimos 12 meses, está abaixo do piso da meta, que é 3%. Mas eles tiveram também que olhar para a área fiscal e constatar que aumentou muito a incerteza sobre a capacidade do governo de entregar o resultado prometido, que é um déficit. A confusão das contas públicas aumentou nos últimos meses. Essa tendência se acentuou nos últimos dias. Desta forma, o presidente Temer, para se manter, está desfazendo o ajuste fiscal que prometeu. Ele cedeu tanto nos últimos dias que os anúncios de medidas de ajuste que fará agora não vão compensar as perdas.
– O Globo