Toda greve tem pelo menos três atores: capital, trabalho e setor público. Na paralisação do transporte de carga, o capital não apareceu. Estava presente, mas escondido atrás do trabalho. O governo exibiu em suas hesitações a enormidade da sua fraqueza. Outros poderes ou bateram cabeça, como o Congresso, ou ficaram em silêncio prolongado. O que se viu foi um assustador vazio de poder.
Houve momentos em que a situação parecia fora de controle. O governo cometeu uma sucessão de erros primários no processo negociador, como o de ceder sem pedir contrapartida, fechar acordos com interlocutores que não representavam exatamente o movimento. Ameaçar prender quem descumpria a lei, para nada fazer no momento seguinte. Com essas ameaças sem consequência esvaía-se o pouco de sua credibilidade.
A estrutura do setor é complexa. Há os autônomos, mas muitos deles prestam serviço continuado a um mesmo cliente, portanto têm vínculos com empresas. Há os que pegam o serviço que aparece. Há milhares de empresas pequenas de dois ou três caminhões que são contratadas das grandes transportadoras, que têm também suas próprias frotas. Se, desde o começo do movimento, as empresas tivessem colocado suas frotas e seus contratados nas estradas, certamente o movimento dos caminhoneiros não teria chegado ao ponto em que chegou. Agora, os empresários dizem que não saíram com seus carros porque não havia segurança, mas o clima de insegurança foi criado com a aquiescência deles. É mais sutil do que o locaute clássico, mas fez o mesmo efeito de fortalecer um protesto que foi estrangulando o país e que causou enormes prejuízos ao setor produtivo. Na pauta de reivindicações havia assuntos do interesse das empresas, como a não oneração da folha salarial do setor. Quem paga salário é empresário e não autônomo. Por isso, esse pedido, atendido, foi a perfeita impressão digital da presença patronal no protesto.
Os manifestantes têm seus direitos, claro, e num país cheio de razões para o mau humor eles mostraram o deles, mas da pior forma. Poderiam ter parado seus caminhões e já provariam sua importância na economia brasileira sobre rodas e movida a diesel, mas eles sequestraram as vias públicas e nestes casos foram muito além do tolerável na democracia.
As Forças Armadas se desdobraram de norte a sul do Brasil tentando fazer fluir as mercadorias, seja nas operações de planejamento ou nas ações táticas. Se alguém confundiu seu papel nesta crise não foram eles. Às vozes que pediram intervenção militar, o general Sérgio Etchegoyen deu a resposta perfeita: “isso é coisa do século passado”.
O que é deste século e apareceu no movimento foi a dispersão de lideranças organizadas no mundo digital. Fortalecido pela dependência do país ao transporte rodoviário de carga, o movimento passou a ter inúmeros líderes que organizavam seus grupos através dos aplicativos de mensagem. Um dos ministros com quem conversei nestes dias me disse que o governo não estava preparado para este movimento digital. Os governos, como se sabe, ainda são analógicos.
Por várias razões esta foi a pior das greves do transporte de carga que o país já teve. Houve uma em 1999, à qual o governo Fernando Henrique cedeu no quarto dia, depois de ter subestimado sua força no primeiro dia. Houve duas contra o governo Dilma em momentos de sua fragilidade, em 2013 e 2015. O atual é um governo impopular, nos últimos meses do seu período no Planalto e que demostrou medo dos grevistas. Uma coisa é o diálogo sobre o qual o ministro Eliseu Padilha tanto falou. Ele é bem-vindo na democracia. Outra coisa é a tibieza que o governo mostrou em vários momentos. Nesse ambiente os grevistas cresceram e aumentaram exigências.
Era previsível que aparecessem infiltrações, radicalizações, oportunismo político e enfrentamento violento no final de um movimento tão intenso quanto esse. O governo também deveria ter se preparado para este momento.
Temer no Planalto já é quase passado. Os candidatos apareceram e deram declarações em geral confusas ou superficiais sobre o que estava acontecendo. Esta greve mostrou que o país tem extremas fragilidades. É preciso se preparar para reduzir essa vulnerabilidade.