Míriam Leitão: Assalto eleitoreiro aos cofres públicos

Bombas fiscais estão sendo armadas pelo próprio governo Bolsonaro, por desespero diante das pesquisas de intenção de voto
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Míriam Leitão / O Globo

O governo está brincando com fogo perto do tanque de gasolina. A inflação está alta, disseminada e persistente. As projeções dos economistas indicam queda nos próximos meses, mas essas previsões podem mudar porque o cenário está mudando. Há um ano, o mercado previa 3,5% para a inflação de 2021 e deu mais de 10%. O governo patrocina propostas que representam gastos de R$ 50 bilhões a R$ 100 bilhões e prepara novos truques para burlar as regras fiscais. Isso alimenta a inflação futura. As bombas fiscais estão sendo armadas pelo próprio governo Bolsonaro, por desespero diante das pesquisas de intenção de voto que são todas desfavoráveis ao presidente.

IPCA de janeiro desacelerou em relação a dezembro, mas disso já se sabia. O acumulado em 12 meses voltou a subir para 10,38%. Pior, a inflação dos mais pobres foi de 0,67% e o acumulado, 10,60%. Um índice nesse nível é sensível a qualquer nervosismo, a qualquer choque, como dizem os economistas. Cenas explícitas de populismo eleitoreiro e sinais de que o ministro da Economia foi esvaziado são combustíveis para a alta do dólar que alimenta a escalada dos preços.

A inflação está generalizada. Dos nove grupos, oito subiram. O único que não subiu foi por fatores específicos. Caíram os preços do grupo transportes, por causa da gasolina, das passagens aéreas e da diminuição do gás. Houve ainda a redução da conta de luz por causa do bônus para quem cortou o consumo. Mas isso não se repetirá.

A ideia de gastar R$ 100 bilhões eliminando todos os impostos sobre combustíveis e energia e ainda dando um vale-diesel para o caminhoneiro é tão incendiária, do ponto de vista fiscal, que todo mundo entendeu qual é a jogada. Diante dessa, qualquer outra poderá parecer aceitável. Esse é o truque. Mas não há proposta aceitável de subsídio a combustível fóssil, ainda mais quando ele é linear e favorece também o dono do carro de luxo.

A assinatura da proposta kamikaze pelo próprio filho do presidente, senador Flávio Bolsonaro, junto com quatro senadores da base, três deles do PL, já seria o suficiente para mostrar de onde vem a bomba fiscal. Mas há outros indícios do DNA de todas os projetos que arrombam os cofres públicos. A primeira ideia foi formulada dentro da Casa Civil. O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, foi claro: “O presidente Bolsonaro disse o seguinte: eu quero zerar os impostos federais dos combustíveis.” Então esse é o autor primeiro das bombas fiscais que estouram sobre o cofre do Tesouro: o presidente da República.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, em entrevista ao “Estado de S.Paulo”, na terça-feira, disse que faltou apoio ao projeto liberal. O que deveria ter dito é que Bolsonaro sabotou a ideia, até porque ele sempre foi intervencionista. Quando os jornalistas perguntaram a Guedes se ele temia que o presidente abrisse os cofres e aumentasse os gastos descontroladamente, ele respondeu que “sempre houve confiança e respeito entre nós”. A primeira lealdade do ministro da Economia é com Bolsonaro e não com o equilíbrio fiscal. É por isso que ele disse no fim da entrevista que “a gente tem simpatia pela proposta de zerar os tributos do óleo diesel, cujo impacto fiscal deve ser de R$ 17 bi ou R$ 18 bilhões ao ano, o que seria um mal menor”.

Num país com gritantes prioridades, o que o ministro está dizendo é que está disposto a aceitar que o governo subsidie o diesel do caminhoneiro, mas também o das frotas das grandes empresas de logística e dos carros SUV de alto valor. Não faz sentido econômico, social e ambiental nem mesmo esse “mal menor”.

O Banco Central mudou de tom não por acaso. Os riscos fiscais estão aumentando com o colaboracionismo do Ministério da Economia ao assalto populista aos cofres públicos, no meio de uma conjuntura de alta inflação e muita incerteza. Neste momento, as projeções ainda indicam queda da inflação nos próximos meses, mas o risco é a deterioração das expectativas como no ano passado. Se o governo aprovar qualquer uma das propostas de bondades fósseis, os preços vão cair num primeiro momento. Depois, virá o efeito bumerangue, e eles voltarão a subir. É diante desse risco que o país está agora.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/assalto-eleitoreiro-aos-cofres-publicos.html

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