Para Ilan Goldfajn, só as reformas não bastam para atrair o capital externo. É preciso recuperar a agenda ambiental e fortalecer a democracia
O ex-presidente do Banco Central Ilan Goldfajn definiu como “ultrajante” o episódio da repetição das palavras de Goebbels pelo ex-secretário de Cultura Roberto Alvim. Mas constata “que a sociedade colocou um limite e isso é importante reconhecer”. Ilan diz que agora os investidores querem ativos que tenham três qualidades: boa governança, responsabilidade social e sustentabilidade ambiental. Ele não acredita que a economia esteja desligada do resto. “A democracia e a economia andam juntas. Liberdades individuais e liberdades econômicas andam juntas”.
Ilan, que hoje preside o conselho de administração do Credit Suisse, assumiu a presidência do Banco Central com a inflação perto de 10% e os juros em 14,25%. Ao sair, a inflação estava abaixo da meta, e os juros em 6,5%. As taxas continuaram caindo para 4,5%. Isso, segundo ele, está provocando uma revolução:
— Eu acho que esse novo patamar veio para ficar, mas isso não quer dizer que não possa cair um pouco mais ou subir se a economia estiver voltando a crescer. O Brasil vai deixar de ser uma exceção no mundo pelos juros altos que tinha. Isso é uma revolução para quem está no mundo das finanças. Quem tem mais dinheiro se pergunta: “Como eu faço para ter mais rentabilidade?” Todo mundo estava com investimento parado no overnight e ganhava. Agora tem gente que vem falar comigo: você mexeu nos juros e deu problema pra gente, eu quero me aposentar e onde vou botar o meu dinheiro?
Ilan diz que esse dinheiro que ia remunerar o capital aplicado em títulos públicos era custo da dívida, que agora está em queda. Citou o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, para dizer que este ano essa economia pode ser de R$ 120 bilhões para o Tesouro:
— O dinheiro pode ir para outros lugares, pode ajudar na construção civil, pode financiar a infraestrutura. Ou vai para a bolsa, e as empresas captam e podem investir. Então, eu, fora do Banco Central, estou ajudando a navegar nesse novo cenário, que nós mesmos ajudamos a criar.
Recentemente, Ilan disse numa entrevista que “a festa é boa, mas a festa é nossa”. Ele se referia ao fato de que o dinheiro que está chegando na bolsa de valores é basicamente brasileiro. O capital estrangeiro não está vindo. Perguntei a ele, nesta entrevista que fiz na Globonews, o que está acontecendo com o investidor externo:
— A festa é de fato nossa. Eu não estou vendo estrangeiro entrando. Semana passada eu estive em Nova York, de novo, conversando com investidor. E eles falam que o país está indo bem, provavelmente vai ter aumento da classificação de risco, que as reformas são bem-vindas. Mas o ambiente global não é propício a grandes investimentos. E o Brasil ainda não recuperou totalmente a confiança, a ponto de eles tirarem dinheiro de um lugar para pôr aqui.
Ele não acha um problema ter tido aumento da saída de capital no ano passado. Pensa que decorre dessa queda dos juros. O investimento que vinha por este motivo foi embora. Acredita que o dólar permanecerá alto:
— O patamar do câmbio também não volta a ser o que era no passado. O dólar chegou a ser R$ 1,60, há pouco tempo estava em R$ 3,00. Hoje estamos acima de R$ 4,00. O patamar é diferente.
Sobre as reformas, ele diz que é fundamental fazer a reforma tributária e nela o “governo é o ator principal”. O problema é que os projetos que estão tramitando são do legislativo.
Na visão de Ilan Goldfajn, o investidor estrangeiro quando olha para o país quer ter todas essas informações sobre as reformas, privatizações, ajustes, mas não basta isso. Ele quer saber sobre meio ambiente e democracia.
— Tudo se complementa. Uma democracia ativa, com liberdade de imprensa, mostra que tudo tem mais sustentabilidade. E isso complementa a liberdade econômica. A bolsa sobe porque os juros caíram, mas o segundo passo vai depender do dinheiro de longo prazo. A democracia e a economia andam juntas. Liberdades individuais e liberdade econômica andam juntas. O investidor olha isso. Uma coisa não está separada da outra, de jeito nenhum — diz ele.
Ilan é brasileiro, mas nasceu em Israel. Perguntei pelo episódio de Alvim.
— Foi ultrajante. Para qualquer pessoa, para os judeus principalmente. Todos nós nos sentimos ofendidos. Já não como economista, mas como indivíduo olhando algo que nos deixa indignados. Foi um sintoma de algo que está acontecendo, mas é preciso reconhecer que a sociedade colocou um limite e isso foi um passo importante.